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terça-feira, 26 de setembro de 2017

O PASSAGEIRO – PROFISSÃO: REPÓRTER (Professione: Reporter / The Passenger) Itália / Espanha / França, 1975 – Direção Michelangelo Antonioni – elenco: Jack Nicholson, Maria Schneider, Jenny Runacre, Ian Hendry, Steven Berkoff, Charles Mulvehil  ou Chuck Mulvehill (Robertson), Ambroise Bia (Achebe), José María Caffarel, Ángel del Pozo, Narciso Pula, Enrico Sannia, Manfred Spies – 126 minutos
 ANTONIONI EXPLORA ARQUITETURA E EMOÇÕES EM ÚLTIMA OBRA-PRIMA

É um dos filmes mais inquietantes do diretor. O filme prima pelo virtuosismo técnico e pela frustração sistemática das expectativas do espectador quanto a uma narrativa convencional de suspense. Rodado em grande parte na Espanha, tem locações em pontos famosos de Barcelona, como as Ramblas, o teleférico do porto e o edifício La Pedrera construído por Gaudi. O filme, realizado em 1975, enquadra-se perfeitamente na categoria, hoje necessária, do clássico moderno. Sob essa rubrica, podem-se incluir todas as obras que permitem reconhecer no cinema um meio de produzir arte.  Antonioni vinha de dois projetos frustrados - um filme sobre a China comunista, que chegou a ser rodado e está na Internet, e "Tecnicamente Doce", que não chegou a ser filmado.  O roteiro de O PASSAGEIRO – PROFISSÃO: REPÓRTER  caiu nas mãos do diretor acompanhado de uma certa urgência. O ator convidado, o então emergente Jack Nicholson, tinha prazos estreitos para participar do projeto. Antonioni não hesitou. Embarcou na aventura mesmo sem a segurança de um controle completo sobre a idéia original, como tinha o costume de trabalhar.  Ao resultado pode-se aplicar um esquema interpretativo que alguns críticos franceses gostam de utilizar - a idéia do "filme como diário das filmagens". 


Vê-se como Antonioni partiu de uma sugestão dramática forte - um homem que abandona sua identidade - e a submeteu a um tratamento autoral.  Nesse caso, à autoria se acrescenta um experimentalismo técnico que,  mesmo 30 anos depois, mantém o espectador boquiaberto.  A nova identidade de David Locke (Nicholson) é perigosa, pois ele assume o lugar de um traficante de armas de um país africano.  Com Antonioni, esse lado anedótico é quase suprimido. E isso significa ganho para o espectador. O que se oferece aqui é um cinema com vocação metafísica. Ou seja: que questiona a naturalidade com que encaramos o mundo.  O princípio é simples. A profissão de repórter impõe uma despersonalização em proveito da objetividade. Ao abandonar sua função - investigar e relatar -, Locke perde a crença na objetividade.  Essa experiência se transfere para o espectador ao assistir o filme. A confiança de qualquer um em sua percepção e a certeza de estar testemunhando uma situação "verdadeira" vão para o além.  Na última sequência do filme, uma cena integral filmada sem cortes - célebre plano-sequência que dura sete minutos -, Antonioni leva a cabo esse projeto anti-ilusionista.  De dentro de um quarto de hotel, a câmera filma tudo aquilo que "não interessa" numa cena de ação. O espectador suspeita que alguma coisa está acontecendo, mas "nada" lhe é dado ver. Nada? Ou será que testemunhou um caso raro de revelação? 


Os filmes de Antonioni sempre foram do presente, sempre falaram das coisas que ocorriam no mundo enquanto eram realizados e sempre traçaram uma cartografia das relações humanas naquele dado momento. Mas é nítido como a partir de um certo ponto aumenta a urgência de lidar com referências que são tão mais locais quando conseguem ser representativas de um estado de coisas alastrado pelo mundo (Blow-Up é menos um filme sobre as "cores" de Londres nos anos 60 do que um rito de passagem de toda a cultura visual). “Profissão: Repórter” é o exemplo perfeito daquele cinema - que precisou esperar pela renovação de instrumentos e pela evolução natural de sua história das formas - em que cada plano é uma aventura estética, um desafio que vai da técnica à linguagem e à produção de sentido. Essa proposta de cinema de que o filme é a forma acabada, na verdade, pode perfeitamente ser aplicada a grande parte do que se buscou definir por cinema moderno. Coube a Jack Nicholson, em atuação quase tão icônica quanto nos seus posteriores protagonistas de “Um Estranho no Ninho” (1975) e “O Iluminado” (1980), interpretar o agente desse rolo com as identidades: David Locke, repórter que está fazendo um documentário sobre as guerrilhas que ocorrem numa região da África, e que se aproveita da morte de um homem de mesmo biótipo, que estava hospedado no seu hotel, para mudar de nome e levar uma vida diferente. 


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