Content on this page requires a newer version of Adobe Flash Player.

Get Adobe Flash player

sábado, 30 de setembro de 2017

EL ALAMEIN – A LINHA DE FOGO (El Alamein – La Linea Del Fuoco) Itália, 2002 – Direção Enzo Monteleone – elenco: Paolo Briguglia, Pierfrancesco Favino, Luciano Scarpa, Emilio Solfrizzi, Thomas Trabacchi, Sergio Albelli, Piero Maggiò, Antonio Petrocelli, Giuseppe Cederna, Roberto Citran, Silvio Orlando, Matteo Albano, Lorenzo Balducci – 117 minutos

O FILME É UM BOM COMEÇO PARA SE TENTAR MUDAR UMA INJUSTIÇA HISTÓRICA DE GRANDE MAGNITUDE


Este belo filme foi lançado no aniversário de 60 anos da batalha, e foi realizado com pequeno orçamento e recursos governamentais. A produção é um excelente exemplo de que se pode fazer muito com pouco. A Batalha de El Alamein, no deserto africano, teve participação primordial dos italianos, bem mais numerosos que seus aliados alemães. E o desfecho dessa batalha só não foi mais desastroso por causa da feroz resistência italiana. Infelizmente, pela propaganda de interesses escusos e o desprezo dos nazistas, essa verdade ficou escondida dos livros de história e das telas de cinema por seis décadas. Agora essa produção é o primeiro filme italiano a mostrar seus soldados como realmente eram como viam e lutaram naquele horrível cenário.


O filme é visto pela perspectiva do Soldado Serra (Paolo Briguglia), um voluntário universitário de Palermo, que se alista para a África e é designado para a 17ª Divisão de Infantaria “Pavia”, parte do X Corpo d’Armata (Corpo de Exército), que estava posicionado no extremo sul da linha de frente, próximo à depressão de El-Qattara. Serra chega e se apresenta ao oficial em comando, o Tenente Fiore (Emilio Solfrizzi), que o envia para o pelotão do Sargento Rizzo (Pierfrancesco Favino). A chegada de Serra é um retrato das péssimas condições de logística e suprimento do Exército Italiano na frente: Fiore pede por dez novos recrutas, mas somente um é enviado. 

O filme apresenta um eficiente uso de efeitos visuais, tanto nas cenas de batalha quanto na retratação da imensa coluna de soldados retirada. A computação gráfica é sutil, e essa qualidade gratifica o espectador com um ambiente agradável e crível. Mesmo com o baixo orçamento, os combates se saem bem em tela. A barragem de artilharia inglesa antes do avanço dos tanques confere com a realidade histórica. Mesmo os veículos blindados nada aparentam de falsos, como no caso dos velhos filmes com “Shermans alemães”. Aliás, o realismo do equipamento usado em cena é um dos pontos altos de EL ALAMEIN. Os uniformes têm as patentes e camuflagens corretas, e as armas, caminhões, carros também estão muito bem caracterizados. Destaques para a Moto Guzzi usada pelos Bersaglieri e o carro de comando Fiat 508C, belíssimo. A conclusão do filme é bastante tocante e sensível, mas sem apelar para o sensacionalismo barato. Não há nada forçado para levar o espectador a se identificar com a dor dos personagens, o sentimento simplesmente surge ao decorrer da narrativa. EL ALAMEIN é um bom começo para tentar-se mudar uma injustiça histórica de grande magnitude. O filme foi muito bem recebido pela crítica e nas bilheterias na Itália, e ganhou três prêmios David di Donatello, considerado o “Oscar italiano”.


quinta-feira, 28 de setembro de 2017

O PASSAGEIRO DA CHUVA (Le Passager de La Pluie) França, 1970 – Direção René Clèment – elenco: Charles Bronson, Marlène Jobert, Jill Ireland, Gabriele Tinti, Corinne Marchand, Jean Gaven, Jean Piat, Marc Mazza, Yves Massard – 120 min

                 UMA MULHER VIOLENTADA FUGINDO DA VERDADE...
                 UM HOMEM MISTERIOSO À PROCURA DELA 


Um dos maiores sucessos de Charles Bronson na sua fase francesa de cinema. Foi o filme que alavancou a sua carreira internacional. Brutalmente implicada num assassinato sem qualquer relação com seu cotidiano, uma jovem mulher é perseguida por um americano misterioso, ao mesmo tempo temível e fascinante, que a atormenta para confessar o crime do qual ela não é inteiramente responsável. Nessa luta à procura da verdade todas as armas são permitidas aos dois adversários que se envolvem numa atmosfera de suspense minuciosamente elaborada. Além de Charles Bronson, outro grande destaque é a atriz Marlene Jobert, que dá um show de performance. 


Na época do lançamento do filme (1971), Charles Bronson era conhecido como “o homem do sorriso de gato”. A direção de Renè Clement é impecável. Clement é famoso por dirigir filmes notáveis como O SOL POR TESTEMUNHA (1960), BRINQUEDO PROIBIDO (1952), entre outros. Até hoje existe uma unanimidade em se afirmar que a melhor coisa que aconteceu na temporada de 1969/1970 foi a parceria entre o diretor Renè Clèment, o compositor Francis Lai (autor da belíssima trilha sonora de LOVE STORY em 1970), o escritor Sebastien Japrisot e as estrelas Charles Bronson e Marlene Jobert. Entre tantas qualidades, o filme tem ainda uma trilha sonora inspiradíssima do celebrado Francis Lai. Um filme obrigatório e uma das obras-primas essenciais do cinema.  


terça-feira, 26 de setembro de 2017

O PASSAGEIRO – PROFISSÃO: REPÓRTER (Professione: Reporter / The Passenger) Itália / Espanha / França, 1975 – Direção Michelangelo Antonioni – elenco: Jack Nicholson, Maria Schneider, Jenny Runacre, Ian Hendry, Steven Berkoff, Charles Mulvehil  ou Chuck Mulvehill (Robertson), Ambroise Bia (Achebe), José María Caffarel, Ángel del Pozo, Narciso Pula, Enrico Sannia, Manfred Spies – 126 minutos
 ANTONIONI EXPLORA ARQUITETURA E EMOÇÕES EM ÚLTIMA OBRA-PRIMA

É um dos filmes mais inquietantes do diretor. O filme prima pelo virtuosismo técnico e pela frustração sistemática das expectativas do espectador quanto a uma narrativa convencional de suspense. Rodado em grande parte na Espanha, tem locações em pontos famosos de Barcelona, como as Ramblas, o teleférico do porto e o edifício La Pedrera construído por Gaudi. O filme, realizado em 1975, enquadra-se perfeitamente na categoria, hoje necessária, do clássico moderno. Sob essa rubrica, podem-se incluir todas as obras que permitem reconhecer no cinema um meio de produzir arte.  Antonioni vinha de dois projetos frustrados - um filme sobre a China comunista, que chegou a ser rodado e está na Internet, e "Tecnicamente Doce", que não chegou a ser filmado.  O roteiro de O PASSAGEIRO – PROFISSÃO: REPÓRTER  caiu nas mãos do diretor acompanhado de uma certa urgência. O ator convidado, o então emergente Jack Nicholson, tinha prazos estreitos para participar do projeto. Antonioni não hesitou. Embarcou na aventura mesmo sem a segurança de um controle completo sobre a idéia original, como tinha o costume de trabalhar.  Ao resultado pode-se aplicar um esquema interpretativo que alguns críticos franceses gostam de utilizar - a idéia do "filme como diário das filmagens". 


Vê-se como Antonioni partiu de uma sugestão dramática forte - um homem que abandona sua identidade - e a submeteu a um tratamento autoral.  Nesse caso, à autoria se acrescenta um experimentalismo técnico que,  mesmo 30 anos depois, mantém o espectador boquiaberto.  A nova identidade de David Locke (Nicholson) é perigosa, pois ele assume o lugar de um traficante de armas de um país africano.  Com Antonioni, esse lado anedótico é quase suprimido. E isso significa ganho para o espectador. O que se oferece aqui é um cinema com vocação metafísica. Ou seja: que questiona a naturalidade com que encaramos o mundo.  O princípio é simples. A profissão de repórter impõe uma despersonalização em proveito da objetividade. Ao abandonar sua função - investigar e relatar -, Locke perde a crença na objetividade.  Essa experiência se transfere para o espectador ao assistir o filme. A confiança de qualquer um em sua percepção e a certeza de estar testemunhando uma situação "verdadeira" vão para o além.  Na última sequência do filme, uma cena integral filmada sem cortes - célebre plano-sequência que dura sete minutos -, Antonioni leva a cabo esse projeto anti-ilusionista.  De dentro de um quarto de hotel, a câmera filma tudo aquilo que "não interessa" numa cena de ação. O espectador suspeita que alguma coisa está acontecendo, mas "nada" lhe é dado ver. Nada? Ou será que testemunhou um caso raro de revelação? 


Os filmes de Antonioni sempre foram do presente, sempre falaram das coisas que ocorriam no mundo enquanto eram realizados e sempre traçaram uma cartografia das relações humanas naquele dado momento. Mas é nítido como a partir de um certo ponto aumenta a urgência de lidar com referências que são tão mais locais quando conseguem ser representativas de um estado de coisas alastrado pelo mundo (Blow-Up é menos um filme sobre as "cores" de Londres nos anos 60 do que um rito de passagem de toda a cultura visual). “Profissão: Repórter” é o exemplo perfeito daquele cinema - que precisou esperar pela renovação de instrumentos e pela evolução natural de sua história das formas - em que cada plano é uma aventura estética, um desafio que vai da técnica à linguagem e à produção de sentido. Essa proposta de cinema de que o filme é a forma acabada, na verdade, pode perfeitamente ser aplicada a grande parte do que se buscou definir por cinema moderno. Coube a Jack Nicholson, em atuação quase tão icônica quanto nos seus posteriores protagonistas de “Um Estranho no Ninho” (1975) e “O Iluminado” (1980), interpretar o agente desse rolo com as identidades: David Locke, repórter que está fazendo um documentário sobre as guerrilhas que ocorrem numa região da África, e que se aproveita da morte de um homem de mesmo biótipo, que estava hospedado no seu hotel, para mudar de nome e levar uma vida diferente. 


domingo, 24 de setembro de 2017

BLOW UP – DEPOIS DAQUELE BEIJO (Blow Up) Inglaterra/Itália, 1966 – Direção de Michelangelo Antonioni – elenco: Vanessa Redgrave, David Hemmings, Sarah Miles, John Castle, Jane Birkin, Gillian Hills, Peter Bowles e a manequim Veruschka – 111 minutos

       O FILME QUE ROMPEU COM A ESTÉTICA CINEMATOGRÁFICA VIGENTE


Alguns consideram esse filme de Antonioni como uma das primeiras obras de um mundo já na trilha da globalização. Inspirado no texto “Las babas del diablo”, do escritor argentino Julio Cortazar, Antonioni rompe com a estética cinematográfica vigente e traz uma narrativa moderna, revitalizando o cinema europeu. O filme mostra uma série de elementos efervescentes da cidade de Londres e da época: a minissaia, as drogas, o amor livre, a psicodelia.  Hoje, talvez tenha perdido o encanto e o impacto que causou em 1966, devido às transformações comportamentais pelas quais passou a sociedade. Mas sua importância estética ainda resiste, pois deixa registrado o estilo cinematográfico audacioso e sofisticado de Michelangelo Antonioni. A trilha sonora foi responsabilidade do músico americano de Jazz Herbie Hancock, e a banda inglesa de blues, The Yardbirds, marca presença, tocando em um clube londrino. 

BLOW UP – DEPOIS DAQUELE BEIJO é o primeiro filme em língua inglesa de Michelangelo Antonioni, trazendo ao mundo a primeira cena de nudez frontal feminina (da cantora-atriz Jane Birkin) em um filme não-erótico e dirigido ao grande público. O primeiro grande sucesso de Antonioni foi A AVENTURA (1960), seguido por A NOITE (1961) e O ECLIPSE (1962), que compreendem uma trilogia sobre o tema da alienação. Seu primeiro filme colorido DESERTO VERMELHO (1964), também explora temas modernistas da alienação, e junto com os três filmes anteriores, forma uma tetralogia. A atriz Monica Vitti apareceu nos quatro filmes, atuando em papéis de mulheres desconexas que lutam para se ajustar ao isolamento da modernidade. ZABRISKIE POINT (de 1970), seu primeiro filme rodado nos Estados Unidos da América, teve menos sucesso, mesmo com a inclusão de uma trilha sonora composta de artistas populares como Pink Floyd (que escreveu músicas especialmente para o filme), Gratefull Dead (banda californiana de Rock) e os Rolling Stones. 

Em 1995 Antonioni foi premiado com um Oscar pelo conjunto da sua obra. No entanto, ironicamente o prêmio foi roubado de sua casa, em dezembro de 1996. Ingmar Bergman uma vez disse que admirava alguns dos filmes do Antonioni por serem desinteressados e algumas vezes visionários. E isso parece ter sido um elogio! Brian de Palma homenageou BLOW UP no thriller UM TIRO NA NOITE, com muita competência. O título “Blow UP” refere-se ao termo técnico que define grandes ampliações fotográficas. Pode ser entendido também como “estouro” ou “explosão”. BLOW UP é, sem dúvida, um dos filmes mais elogiados do diretor e também um dos mais notáveis. Merece ser visto e revisto


sábado, 23 de setembro de 2017

ZABRISKIE POINT (Zabriskie Point) EUA, 1970 – Direção Michelangelo Antonioni – elenco: Mark Frechette, Daria Halprin, Paul Fix, G. D. Spradlin, Rod Taylor, Bill Garaway, Kathleen Cleaver, Harrison Ford, Tom Steele – 113 minutos

A devastadora inércia burguesa conduz ao deserto e ao abismo, e enquanto isso, o cinema e todas as artes seguem traduzindo as nossas pequenas inssurreições.

O nome do filme é uma homenagem à região árida localizada no oeste dos Estados Unidos, no Vale da Morte. Também árido é o tema principal abordado pelo filme: o movimento da Contracultura, que teve seu auge na década de 1960. E só tem uma palavra que pode definir a maneira como filme foi recebido pela crítica e pelo público da época: aridez. “Zabriskie Point”, do grande cineasta italiano Michelangelo Antonioni, é marcado pelo encontro de dois jovens. Ela, Daria, viaja de carro até Phoenix para encontrar seu chefe, um empresário que planeja construir um condomínio de luxo na Califórnia. Ele, Mark, jovem que está insatisfeito com o falatório das reuniões estudantis e decide que, muito mais do que discussão e reflexão, precisa de ação. Por isso, quando os protestos na universidade tornam-se violentos com a chegada da polícia, ele decide comprar um revolver e tomar atitudes práticas. No conflito entre estudantes do Campus e policiais, alguns alunos são atingidos por gás lacrimogêneo e um estudante é baleado. Neste momento, Mark saca a arma e aparece a cena de um policial sendo morto. O autor do tiro não é claramente definido, mas a atitude de Mark é fugir. Para isso, ele rouba um pequeno avião. No meio do deserto, os dois se encontram e a atração é imediata.

“Zabriskie Point” não é considerado o melhor trabalho do cineasta italiano Michelangelo Antonioni. O filme é o segundo de um contrato fechado por Antonioni para realizar três filmes em inglês, tendo feito “Blow Up” em1966 e “O Passageiro - Profissão: Repórterem 1975. O filme sofreu problemas com os produtores, até porque é bastante complicado tratar de temas polêmicos como o combate ao capitalismo, justamente dentro dos Estados Unidos. Por isso, foi duramente ressaltada a arrogância de um estrangeiro de vir criticar tão enfaticamente o país. Outra crítica feita foi em relação à atuação de Mark Frechette e Daria Halprin, que, inclusive, emprestaram seus nomes aos personagens. A escolha de atores amadores, no entanto, tem o mérito de filmar rostos novos e pessoas menos presas a “técnicas” de atuação pré-definidas. À época de seu lançamento, foi um fracasso de crítica e público: o filme aborda a contracultura dos anos 1960 e critica o capitalismo de forma um tanto forte – nos EUA do início dos anos 1970, tais temas se mostravam saturados ou incômodos demais, sobretudo quando emergiam sob o olhar de um forasteiro. Entretanto, o filme tem sido reavaliado depois de décadas, alcançando um status diferenciado quando recolocado fora do seu contexto de lançamento, releitura que pode ser sintetizada pela fala de David Fricke, editor da revista Rolling Stone: “Zabriskie Point foi um dos desastres mais extraordinários da história do cinema moderno”.


As viagens inusitadas das duas personagens e as vastidões das paisagens capturadas pela câmera aludem ao desejo de liberdade dos jovens, que se conhecem e fazem amor, em uma longa cena onde mais casais arrastam-se pelas areias do deserto em uma clara referência ao amor livre. Na hora de retornar, o avião de Mark é pintado ao estilo “flower power”, e ambos se despedem para nunca mais se ver, após conversas sobre a sociedade e o movimento estudantil, opiniões sobre a vida, drogas e ideologia. Mas os diálogos estão longe de serem o ponto onde o filme se foca. É nas imagens, com suas cores, planos e ângulos, que o diretor constrói suas ideias, a principal delas sendo um ataque ao capitalismo norte-americano através das citações aos outdoores e produtos do consumismo. “Zabriskie Point” foi alvo de censura, mas nenhuma maior que a interna. Muitas cenas foram cortadas pelo estúdio e, inclusive, a conclusão foi modificada. Um filme original e diferente principalmente em se tratando de uma obra do mestre da incomunicabilidade: Michelangelo Antonioni.  


sexta-feira, 22 de setembro de 2017

O GRITO (Il Grido) Itália, 1957 – Direção de Michelangelo Antonioni – elenco: Steve Cochran, Alida Valli, Betsy Blair, Dorian Gray, Mirna Girardi, Lynn Shaw, Gabriella Pallotta, Pina Boldrini, Guerrino Campanilli, Gaetano Matteucci, Lilia Landi, Pietro Corvelatti, Elli Parvo – 115 minutos

  POÉTICO E COMOVENTE, DENSO E PROFUNDO, TRISTE E DILACERANTE!!

Outra grande obra-prima do mestre Antonioni que antecedeu a célebre "Trilogia da Incomunicabilidade". Após sofrer desilusão amorosa com uma mulher casada, com quem manteve um longo caso e teve uma filha, o operário Aldo inicia uma jornada existencial pelas estradas da Itália, em busca de respostas. Vagando de cidade a cidade, envolve-se com outras mulheres, à procura de uma saída para o vazio de sua vida. O GRITO foi o primeiro sucesso de Michelangelo Antonioni. Ainda guarda resquícios do Neorrealismo Italiano, e pelo qual Antonioni começou a seguir nos seus primeiros passos, mas rapidamente criou identidade e personalidade própria fugindo do movimento e ao mesmo tempo criando um outro, o seu.


Foi também a primeira oportunidade que o cineasta teve de dirigir atores de Hollywood, mesmo sem serem grandes estrelas do cinemão norte-americano, Steve Cochran e Betsy Blair eram famosos o bastante para serem considerados estrelas internacionais. Betsy então era casada com Gene Kelly. O GRITO marca o encontro de Michelangelo com a sua eterna musa Monica Vitti, que trabalha aqui como dubladora da atriz norte-americana Dorian Gray, que tem um papel de destaque como Virginia, dona do posto de gasolina na estrada com quem Aldo mantém um relacionamento.

Denso, profundo e extremamente triste e pessimista, este filme dilacerante de Antonioni só chegaria ao Brasil em 1965, após o reconhecimento crítico (e mesmo por parte de público), pela trilogia A AVENTURA (L'Avventura, 1960); A NOITE (La Notte, 1961) e O ECLIPSE (L'Eclipse, 1962). Rodado em preto e branco, com fotografia de Gianni Di Venanzo, O GRITO captou, como raros filmes italianos, toda a aridez de uma região pobre da Itália. A música de Giovanni Fusco é igualmente densa e profunda, compondo o emolduramento perfeito a este filme rodado entre o inverno de 1956/57 e que teve suas premiéres em Locarno (14/7/1957), Roma (29/11/1957) e Paris (3/12/1958), obtendo o Grande Prêmio da Crítica no Festival de Locarno (1957) e o prêmio da jovem crítica em Colônia (1960). Poético e comovente, é um dos grandes triunfos de Michelangelo Antonioni. 


quinta-feira, 21 de setembro de 2017

O ECLIPSE (L’Eclisse) Itália / França, 1962 – Direção Michelangelo Antonioni – elenco: Alain Delon, Monica Vitti, Francisco Rabal, Lilla Brignone, Rossana Rory, Mirella Ricciardi, Louis Seigner, Cyrus Elias – 125 minutos

ANTONIONI DISCUTE BRILHANTEMENTE A ALIENAÇÃO DO HOMEM MODERNO EM MEIO A UMA SOCIEDADE MATERIALISTA


Para evitar os problemas financeiros e experimentar uma forma de vida mais variada, Vittoria, que vem de um meio modesto, passou três anos a viver com Riccardo, um jovem oficial de uma embaixada. No entanto, uma vida sem verdadeiro amor arrasa a jovem mulher que, apesar dos pedidos de Riccardo, ela deixa-o. Um dia, quando se encontra com a mãe, que passa os tempos livres na Bolsa de Valores, Vittoria conhece um jovem corretor, com quem espera aprender a amar de novo. Infelizmente, ele a engana e Vittoria experimenta uma vez mais o sabor amargo da solidão. O ECLIPSE é mais um excelente filme do grande cineasta italiano, Michelangelo Antonioni. Como sempre, Antonioni aborda questões socio-políticas, procurando mostrar o indivíduo esmagado pelas pressões, responsabilidades e complexidades do mundo moderno.  Há uma seqüência em que Vittoria comenta as diferenças entre a vida nas sociedades avançadas e nas menos avançadas.  O cineasta procura, ainda, mostrar a ambição do mundo capitalista, ao retratar tão bem o ambiente caótico na Bolsa de Valores de Roma e a obsessão pelo jogo vivida pela mãe de Vittoria. Além do magnífico trabalho de Antonioni, o filme é maravilhosamente fotografado pelas lentes de Gianni Di Venanzo. Juntamente com A AVENTURA (1960) e A NOITE (1961), O ECLIPSE (1962) forma a Trilogia da Incomunicabilidade, na qual o cineasta procura analisar o tédio e a solidão do homem moderno.  


A atriz italiana Monica Vitti está presente em todos os três filmes.  Ela está perfeita em O ECLIPSE.  Muitas vezes, sem abrir a boca, consegue transmitir toda a carga de emoções exigida de seu personagem.  Talvez este seja seu melhor filme. O filme é repleto de seqüências maravilhosas como aquelas em que nenhuma palavra é pronunciada, ou aquelas passadas no apartamento de Marta, nas quais Vittoria dança alucinadamente, ou ainda as rodadas durante os pregões da Bolsa de Valores. Neste belo filme, a câmera se transforma em um verdadeiro observador externo, a olhar, como um corpo independente e autônomo, a realidade a sua frente. Compõe, através e dentro de suas lentes, o seu próprio mundo, passando, a seu modo, a existir como se fosse um corpo em estado de liberdade em relação a quem o manipula (em seus movimentos, angulações e dimensões). Na última seqüência da obra que, talvez, seja o canto derradeiro de Michelangelo Antonioni sobre a crise dos sentimentos, o que vemos são, matematicamente, cinqüenta e seis planos que, a partir da diversidade de sua geografia física e humana, registram um cruzamento em Roma.


Mas o que temos em “O Eclipse”, em suma, é uma atmosfera presa ao vazio, à solidão e ao tédio nas relações humanas. Componentes da “Trilogia da Incomunicabilidade” que, em sua base, desenvolve a temática primordial de Antonioni: a impossibilidade da relação de um indivíduo com outro, ainda que este outro seja aquele com quem se mantém, ou se manteve, uma relação afetiva. Fundado em uma elipse, o afeto entre Vittoria (Monica Vitti) e Riccardo (Francisco Rabal) fracassa. Assim, não sabemos as motivações do rompimento, a separação iminente, pois, em Antonioni, o que importa é o presente das situações vividas, as marcas presentes em cada ato, enfim, as que existem no que vemos (o abrir a cortina, o afastar-se do outro, o jogar-se no sofá, a recusa de toda e qualquer possibilidade de continuar). Em quase todas as cenas, os planos são longos, o que nos permite enxergar mais o vazio que move/imobiliza os personagens frente à ausência de sentimentos, afeto em relação ao outro, a doença que toma Eros de assalto (Gilles Deleuze). Aliás, não existe nem mesmo ação, uma vez que o diretor por instantes condena seus personagens a um quase eterno presente de indiferença e rejeição. Um dos filmes mais essenciais da década de 1960!!


quarta-feira, 20 de setembro de 2017

A NOITE (La Notte) Itália/França 1960 – Direção de Michelangelo Antonioni – elenco: Marcello Mastroianni, Jeanne Moreau, Monica Vitti, Bernhard Wicki, Rosy Mazzacurati, Maria Pia Luzi, Guido A. Marsan, Vittorio Bertolini, Vincenzo Corbella, Ugo Fortunati, Gitt Magrini, Umberto Eco, Roberta Speroni, Giorgio Negro – 122 minutos  

ANTONIONI EXPÕE O DILEMA DOS PERSONAGENS E SE RESTRINGE A FILMÁ-LOS COM ELEGANTE DISCRIÇÃO.

Após dez anos de casamento, Lídia e Giovani passam uma noite permeada de momentos de angústia e luxúria, numa busca involuntária de respostas para a crise de seu relacionamento. Segundo filme da célebre "Trilogia da Incomunicabilidade", formada ainda por A AVENTURA (1960) e O ECLIPSE (1962), A NOITE é um marco do cinema moderno que não pode ser preterido por um bom cinéfilo. Nada além de tédio, arrependimento e dor. Seriam estes os motivos primordiais para dar cabo a uma relação? Haveria remédio para a enfermidade de um sentimento, seja ele bom ou maligno? Todo casal tem, claro, seus momentos de alegria e tristeza, faz juras de amor eterno, enfrenta brigas e faz reconciliações, aspectos que logo vêm a nossa mente ao abordarmos o complexo tema “casamento”. A crise desponta numa convivência a dois a partir do instante em que a rotina passa a dividir a mesa de jantar, o carro, o banheiro, a cama e tudo mais. Uma pessoa insatisfeita busca de todas as formas escapar do vazio interior, uma angústia penetra-lhe o peito, acompanhada pelo medo do isolamento e pela frustração do erro, o significado de tudo se altera bruscamente. E parece não haver malogro entre os vizinhos, o problema é isolado, exclusivo! Tampouco a riqueza material tem importância, o divertimento proporcionado pelo dinheiro é transitório, efêmero. O que sobra? Nada além de tédio, arrependimento e dor. 


A NOITE é uma verdadeira obra-prima. A personagem de Jeanne Moreau, Lidia, é talvez a mais próxima da realidade de toda a obra do cineasta italiano. Ela simboliza a mais pura condição de enfado e tristeza que um indivíduo é obrigado a sustentar no momento em que percebe a crise no próprio casamento. Lidia é uma mulher bonita, rica e inteligente, casada com o famoso escritor Giovanni Pontano (Marcello Mastroianni), mas algo não está bem, e ela sabe disso. Um desconfortável silêncio a separa do marido, como um cordão de isolamento; eles parecem cansados um do outro. Lidia tenta evitar Giovanni, ela caminha pelas ruas de Milão atrás de alguma coisa que a distraia, que a faça esquecer do marasmo de sua existência burguesa e de seu matrimônio repleto de lacunas. No entanto, nada consegue captar-lhe o interesse por muito tempo. Lidia ainda quer chamar atenção, rebola displicentemente entre uma calçada e outra, feito uma prostituta voltando para casa após uma cansativa noite de trabalho. Ela telefona para que Giovanni vá buscá-la, com um falso entusiasmo na voz — não pode ser acusada de não tentar, ao menos, fingir que está tudo bem (ela nem gosta de chorar diante do marido). Giovanni é do tipo que leva uma vida mais “passiva”, ele não corre atrás de novas distrações, aproveita unicamente aquelas que lhe são impostas ao acaso. Valentina (Monica Vitti, na época casada com Antonioni) é uma delas. Eles se conhecem numa festa promovida pelo pai dela, um rico industrial chamado Gherardini, e têm breves oportunidades de diversão e filosofia. Poderia ter sido qualquer outra mulher. O destino, porém, reservou aquela para Giovanni. E ele teve sorte: em poucos minutos, Valentina é capaz de ensinar mais sobre amor, solidão e respeito do que o escritor havia jamais experimentado com seus livros.

A impressão que se tem é de que o título faz metáfora ao crepúsculo no relacionamento do casal Pontano. Ambos vivem em sonambulismo constante, sonham com as mesmas pessoas e com os mesmos acontecimentos, todavia os interpretando de modo distinto. Os créditos iniciais mostram uma cidade em transformação, gruas e guindastes rodeando prédios novos, ainda inacabados; a idílica Milão vem sendo modernizada no auge do capitalismo italiano da década de 1960. O casal vivido por Jeanne Moreau e Marcello Mastroianni, porém, não acompanha essas mudanças com a mesma velocidade. Por um lado, Lídia é a figura da mulher arrependida que não vê a hora de seu tormento existencial acabar. Por outro lado, Giovanni é o intelectual que procura "soluções" para os problemas dos outros e que é incapaz de enxergar problemas em seu próprio ambiente (ou finge não enxergá-los). Lídia, ao final, quer terminar tudo; Giovanni, recomeçar. Já Antonioni não apresenta qualquer saída, expõe somente o dilema dos personagens e se restringe a filmá-los com elegante discrição. Jeanne Moreau e Marcello Mastroianni, vale mencionar, são atores excepcionais, capazes de dar tanta profundidade a seus personagens que por pouco podemos examinar-lhes a alma. Mastroianni, por exemplo, filtra o pedantismo e a pretensão de Giovanni para extrair dele, mais tarde, uma considerável dose de ingenuidade e confusão — notável a cena em que ele escuta Lídia a ler uma carta de amor sem no entanto perceber que ele mesmo a tinha escrito anos atrás. Assim, testemunhamos uma divergência entre os protagonistas: eles têm seus instantes de “fuga”, são atraídos por outros parceiros, mas a vontade de retornar aos braços do companheiro original nunca é de todo exterminada. Lídia conta ao marido que não o ama, então qual seria o motivo de carregar aquela carta apaixonada na bolsa? Ela realmente não o ama mais? 


Os quinze anos compreendido entre A AVENTURA, de 1960, e O PASSAGEIRO: PROFISSÃO REPÓRTER, de 1975, representa aquela que é considerada a melhor fase da carreira de Antonioni, falecido em 30 de julho de 2007. Foi o exato período em que ele construiu sua reputação de revolucionário e inovador, ganhou prestígio nos maiores festivais de cinema, foi indicado ao Oscar por BLOW UP – DEPOIS DAQUELE BEIJO (1966)  e inspirou um número sem fim de discípulos. A influência dele pode ser facilmente reconhecida na obra de diretores do passado e do presente, no mundo todo, inclusive no Brasil (basta conferir alguma coisa de Glauber Rocha, Walter Hugo Khoury e demais nomes do Cinema Novo, isso para se ater aos mais antigos). O jeito de abordar o drama psicológico para criar o máximo de tensão com o mínimo de diálogos, sem uma trama aparente, ou até mesmo sem desfechos "mastigados", é típico de Antonioni. Sua filmografia deve ser apreciada mais como um manifesto artístico daquela época, fazendo consonância a Alain Resnais ou Jean-Luc Godard — seus contemporâneos mais parecidos —, do que um mero produto do popular cinema italiano. Com seus planos lentos e silenciosos, porém sufocados de expressão e agressividade, Antonioni elevou o cinema a uma posição que antes somente a literatura reclamava por soberania na história da arte. Não foi o único a fazer isso, lógico, mas deu significante contribuição. A NOITE é o filme que melhor consegue interagir com o público, refutando qualquer afinidade por seus personagens estáticos e sendo bem-sucedido na verdadeira proposta de nos fazer refletir. O ECLIPSE, de 1962, consegue o mesmo. Pelo sim, pelo não, o melhor é conferir. Assistir a um Antonioni jamais será perda de tempo.


terça-feira, 19 de setembro de 2017

A AVENTURA (L’Avventura) Itália, 1960 – Direção de Michelangelo Antonioni – elenco: Monica Vitti, Gabrielle Ferzetti, Lea Massari, Dominique Blanchar, Renzo Ricci, James Addams, Dorothy De Poliolo, Lelio Luttazzi, Giovanni Petrucci, Esmeralda Ruspoli, Enrico Bologna, Jack O’Connell, Angela Tommasi Di Lampedusa, Renato Pinciroli – 143 minutos 

            UM DOS MARCOS DA HISTÓRIA DO CINEMA MODERNO 


Continuando o Festival Michelangelo Antonioni iniciado no sábado com “O Deserto Vermelho”, “A Aventura”, um dos três filmes da chamada “Trilogia da Incomunicabilidade”, está na lista dos seus melhores filmes. Uma viagem das entranhas do desejo humano à superficialidade da paixão casual. Narrado magnificamente na atual sociedade europeia, o filme se desenvolve através de cenas vívidas de grande beleza pictórica e sensualidade. A vida de um grupo de pessoas instáveis numa busca constante e sem fim pela realização espiritual e física. Os outros dois filmes são “A Noite” (1961), com Marcello Mastroianni e Jeanne Moreau e “O Eclipse” (1962), com Alain Delon e Monica Vitti. 


“A AVENTURA” conta a história de um grupo de seis burgueses entediados (três casais), que partem para um cruzeiro a uma ilha inabitada e isolada da Sicília. Uma das moças, Anna, em briga constante com o namorado e com o pai, desaparece. Não se sabe se ela simplesmente foi embora por tédio ou se tentou o suicídio. O filme se deterá na busca à mulher e o impacto que o desaparecimento teve em seus amigos – que é quase nenhum. Um dos grandes achados do filme é usar as ilhas, rochas, igrejas, cidades abandonadas e outras maravilhas arquitetônicas e naturais do sul da Itália como metáfora visual do vazio existencial das personagens.  A melhor amiga da desaparecida, Claudia, e seu namorado, Sandro, partem à procura da cidadã em cidades vizinhas. Logo se tornam amantes, não se sabe se por atração física ou se porque não tinham nada melhor mesmo para fazer.
Estrelando Monica Vitti, como Claudia, a mulher solitária, que encontra uma satisfação momentânea onde menos espera. Experimentando em poucos dias a felicidade e uma compreensão chocante da verdade. Gabrielle Ferzetti como Sandro, o arquiteto urbano, sofisticado, que se entrega a uma busca perpétua por satisfação. Ele está envolvido por uma autoindulgência exaustiva. Lea Massari como Anna, sua noiva, cujo comportamento arredio e misterioso tocou as vidas de todos que a amaram. Dominique Blanchar como Julia, frustrada, desesperada e atraída irresistivelmente pela juventude, por homens mais jovens. “A Aventura”, ganhador de cinco prêmios internacionais, é um clássico do cinema moderno, aclamado pelos críticos por sua maturidade e criatividade como uma nova experiência no erotismo cinematográfico. Um filme original, memorável e visualmente impressionante!! Uma obra-prima assustadora!! Um mito para essa Era de ansiedade!! Belo, excitante, inteligente, afiado e extremamente pitoresco.   



sábado, 16 de setembro de 2017

O DESERTO VERMELHO / DESERTO ROSSO – O DILEMA DE UMA VIDA (Il Deserto Rosso) Itália / França, 1964 – Direção Michelangelo Antonioni – elenco: Monica Vitti, Richard Harris, Carlo Chionetti, Xenia Valderi, Rita Renoir, Lili Rheims, Aldo Grotti, Valerio Bartoleschi, Emanuela Pala Carboni, Giuliano Missirini, Bruno Borghi, Beppe Conti, Giulio Cotignoli, Hiram Mino Madonia – 113 minutos

QUAL É O LUGAR DO SER HUMANO NUMA SOCIEDADE OCUPADA CADA VEZ MAIS PELA IDEOLOGIA UTILITARISTA REINANTE??


Como em tantos outros filmes de Michelangelo Antonioni, o enredo de O DESERTO VERMELHO é profundo e ao mesmo tempo simples. Numa zona industrial do norte da Itália -, chuva, neblina, frio e poluição assolam a cidade industrial de Ravenna -, Giuliana (Monica Vitti) é uma mulher mentalmente perturbada, com dificuldades terríveis de se encaixar na chamada "vida normal", tão festejada por seu marido, o engenheiro Ugo, (Carlo Chionetti), gerente de uma usina local. A chegada de um colega do marido, o também engenheiro Corrado Zeller (Richard Harris), que eles conhecem numa viagem à Patagônia, arranca-a por um momento de sua condição de sonâmbula, mas arrisca precipitá-la ainda mais fundo no abismo da incomunicabilidade. 


Em torno dessa situação, típica do "cinema da angústia" de Antonioni, o diretor construiu um de seus filmes mais belos, cujo sentido mais profundo não está nos diálogos ou no drama particular dos personagens, mas na rigorosa poesia de suas imagens. Em sua primeira experiência com a cor, Antonioni chegou ao requinte de mandar pintar gramados e árvores para atingir os tons exatos de determinados estados de espírito que desejava comunicar. A fotografia de Carlo Di Palma contrapõe primorosamente planos que ressaltam a cor e a textura de cada superfície (madeira, pedra, terra) a outros - em geral planos gerais das fábricas, estaleiros e descampados - em que uma bruma difusa torna indefinidos todos os contornos, compondo uma paisagem de aridez e melancolia. Não por acaso, Fritz Lang considerava a fotografia de O DESERTO VERMELHO a mais bela de toda a história do cinema. Para Antonioni, a degradação da vida na sociedade industrial é também uma degradação de imagem e da própria capacidade de ver. Seu cinema é difícil não por um suposto hermetismo de seus símbolos e referências, mas porque exige do espectador contemporâneo, bombardeado diariamente pelas imagens aviltadas da TV e da publicidade, um esforço de reeducação do olhar. Antonioni nos ensina a ver. 

Um dos grandes trabalhos de Monica Vitti, atriz com quem Antonioni foi casado. Ela faz a dona de casa angustiada, que não sabe direito de onde lhe vem tanto mal estar diante do mundo. A trilha sonora inusual, a fotografia em cores de Carlo Di Palma, valem ao filme uma ambientação muito marcante. É mais uma tentativa de retratar a vida alienada na sociedade contemporânea. Monica não sabe a razão da sua infelicidade. E essa é a tese de Antonioni: ignoramos o porquê, ele está oculto e faz parte da própria alienação. Vencedor do Leão de Ouro de Melhor Filme no Festival de Veneza, O DESERTO VERMELHO é uma das obras máximas do diretor. Em O DESERTO VERMELHO, Antonioni, no auge de sua forma, aborda os temas centrais de sua filmografia: a incomunicabilidade e a solidão do homem contemporâneo. 



sexta-feira, 15 de setembro de 2017

DEADPOOL (Deadpool) EUA, 2016 – Direção Tim Miller – elenco: Ryan Reynolds, Morena Baccarin, T. J. Miller, Karan Soni, Ed Skrein, Michael Benyaer, Stefan Kapicic, Brianna Hildebrand, Style Dayne, Kyle Cassie, Taylor Hickson, Isaac C. Singleton Jr., Jed Rees, Hugh Scott, Gina Carano, Rob Hayter – 108 minutos  

  POLITICAMENTE INCORRETO E USA DE HUMOR NEGRO DA MELHOR QUALIDADE

"Deadpool" não é apenas um anti-herói. É um anti-filme-de-super-herói na essência. E isso é uma ótima notícia. Os filmes de super-herói nunca mais serão os mesmos depois dele. Acredite em tudo o que você eventualmente leu a respeito do filme. Ryan Reynolds queria um filme bem ácido e conseguiu, e comemorou quando o filme pegou a classificação indicativa mais restrita do órgão responsável norte-americano. E, embora muitas cenas tenham sido divulgadas até a estreia, o melhor ainda foi mantido inédito. Tem também muita ação e é outro trunfo do longa de estreia do diretor Tim Miller (até então mais conhecido por seu trabalho de supervisor de efeitos especiais de “Scott Pilgrim Contra o Mundo). A violência é usada numa escala compatível com a do humor. Numa direção oposta à do frenesi de Michael Bay, por exemplo, aqui é possível “apreciar” cada detalhe dos embates, muitas vezes, em câmera lenta mesmo.


O filme é extremamente politicamente incorreto e usa de humor negro e muitas vezes grosseiro. Porém se assume assim de cara. Usa a teoria do caos do próprio protagonista a seu favor, já que a cabeça de Deadpool não regula muito bem. O público deve se animar para se entregar aos prazeres alegremente auto-depreciativos, pois o filme é assustadoramente engraçado e é a vitrine no cinema para a mais anárquica das criações de histórias em quadrinhos da Marvel. O maior acerto está no roteiro brilhante da dupla Rhett Reese e Paul Wernick (‘Zumbilândia’), repleto de piadas de cunho sexual, metalinguagem abusiva, linguagem nerd etc. Ryan Reynolds e a equipe de cineastas do filme acertam, criando uma atmosfera caótica, que testa todos os seus limites e é bastante fiel ao espírito jovial dos quadrinhos, cuja irreverência é contagiante. Um filme altamente diferente e divertido!! Vale o ingresso.  



domingo, 10 de setembro de 2017

GRITOS E SUSSURROS (Viskningar Och Rop) – Suécia, 1972 – Direção Ingmar Bergman – elenco: Liv Ullmann, Ingrid Thulin, Harriet Andersson, Kari Sylwan, Erland Josephson, Anders EK, Inga Gill, Henning Moritzen, Georg Arlin, Ingmar Bergman (narrador), Ingrid Bergman (espectadora), Lena Bergman (Maria criança), Rossana Mariano (Agnes criança), Monika Priede (Karin criança) – 90 minutos.

 UM VERDADEIRO ESTUDO DA ANGÚSTIA FEMININA EM VERMELHO PROFUNDO!!

Um filme de Bergman não cabe num registro rápido e momentâneo. Exige, no mínimo, um ensaio. Afinal, não é por nada que o cineasta sueco é estudado e discutido por psiquiatras e psicólogos - tanto ou mais do que por críticos de cinema. No máximo, uma informação pode auxiliar ao espectador menos entrosado no labiríntico universo bergmaniano a encontrar caminhos que esclareçam, ou ajudem a esclarecer, as suas proposições. É um filme hermético, e, por isso mesmo desafia o espectador que gosta de temas difíceis tratados com inteligência na tela. GRITOS E SUSSURROS concorreu ao Oscar, em cinco categorias (Melhor filme, Melhor Direção, Melhor Roteiro e Melhor Figurino; recebendo apenas um: o de Melhor Fotografia, pelo trabalho perfeito de Sven Nykvist). Como em todos os filmes de Bergman, há uma linha muito própria de visão do subconsciente dos angustiados personagens - querendo libertar-se de um mundo fechado na memória/cérebro de cada um. Lembrando ainda o lúcido comentário de um crítico: "Nesse filme estão todas as grandes linhas de pensamento e da arte bergmaniana: as influências de gênios escandinavos, de Strindgerg a Dreyer; os reflexos da formação cristã (definitivamente encerrada com a trilogia em torno do Silêncio de Deus); o existencialismo, especialmente pela vertente de Kirkegaard (já que a essência do melhor do cineasta é cultivar com paixão religiosa a dúvida de toda certeza)".

Foi o próprio Ingmar Bergman quem definiu GRITOS E SUSSURROS como um filme que se aproxima mais de um estado de alma do que propriamente de uma história a ser narrada dentro dos princípios básicos do cinema. Deixar transparecer o que se oculta sobre as formalidades das relações humanas é o objetivo dessa obra reveladora. Não que a trama envolvendo a agonia de uma mulher em estado terminal e de suas duas irmãs seja irrelevante. Muito pelo contrário. É no limiar da vida que Bergman percebe o momento das grandes revelações, aquelas abafadas pela moral, pelos costumes e pela religião. Obra de um autor maduro, o roteiro se apropria do universo das peças de Tchecov, em especial “Tio Vânia”, destrinchando o complexo universo das relações humanas, principalmente aquelas sustentadas por frágeis laços familiares. O olhar desafiador é herança não apenas de Tchekov, mas também de Ibsen, autor favorito e referência em todos os roteiros bergmanianos. Realizado em 1972, GRITOS E SUSSURROS talvez seja o filme que melhor sintetiza as preocupações estéticas e temáticas do diretor de MORANGOS SILVESTRES (1958). Foi dito talvez porque uma década mais tarde, Bergman se superaria com FANNY & ALEXANDER (1982), que além da densidade dramática é uma espécie de retrato da infância do autor. Ambos os filmes são geniais, completos e extraordinários. Em GRITOS E SUSSURROS, a agonia da personagem Ágnes (Harriet Andersson), que perpassa todo o filme, permite ao cineasta traçar um painel da impotência humana diante da morte, mesmo dilema presente em filmes como O SÉTIMO SELO (1956) e LUZ DE INVERNO (1962).  O destino inexorável lança os personagens à própria sorte, ou melhor, à falta de sentido de suas vidas tacanhas, enquadradas na rigidez das normas sociais de um mundo dominado pelos machos, símbolos moral protestante, que reprime a inventividade e o desejo.  


Ingmar Bergman confia às suas personagens femininas, que vivem uma espécie de exílio familiar, o caminho da salvação. A morte de Ágnes, ainda que por alguns instantes, liberta o amor contido de suas duas irmãs, a travada Karin (Ingrid Thulin) e a frígida Maria (Liv Ullmann). Já para Anna (Kari Sylwan), a criada, a morte de Ágnes representa a oportunidade de mostrar o humanismo e a compaixão intoleráveis no ambiente repressivo abordado pelo filme. Mas GRITOS E SUSSURROS é sobretudo um filme que se utiliza do requinte estético para expressar sentimentos. A fotografia do gênio Sven Nykvist em vermelho profundo, além de criar uma atmosfera onírica quase atemporal, ilumina instantes inesquecíveis de amor, ódio e ternura. Nykvist, fotógrafo de grande parte dos filmes de Bergman, reforça a idéia de clausura física e existencial, oferecendo um belíssimo contraponto na sequência final, quando irmãs e criada correm pela grama, num momento de paz, feminilidade e conforto, em que cessam os gritos e sussurros. Mas seria este um filme incompleto sem a interpretação formidável das três atrizes principais, cujas máscaras procuram justamente traduzir o indizível da alma humana.  São elas, por sinal, a matéria-prima do cinema bergmaniano. GRITOS E SUSSURROS pode ser visto ainda como uma reverência àqueles que são, na verdade, a alma do seu cinema - os atores, cujas imagens na tela ratificam a utopia cinematográfica do triunfo da vida sobre a morte. Belo, inesquecível, difícil, inquietante e extraordinário, obra-prima de riqueza infinita, é um dos filmes mais perturbadores do mestre Ingmar Bergman!! É um dos mais belos filmes do cinema! Um verdadeiro estudo da angústia feminina em vermelho profundo! É uma daquelas raras experiências que o espectador carrega por toda a sua existência!! Perfeito e obrigatório!!