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sexta-feira, 14 de julho de 2017

LAERTE-SE – Brasil, 2017 – Direção Lygia Barbosa e Eliane Brum – Documentário – elenco: Laerte Coutinho, Rita Lee – 100 minutos

    UM FILME QUE É UM SOCO ELEGANTE NAS MASCULINIDADES TÓXICAS


Um dos temas mais debatidos (felizmente) ultimamente na sociedade mundial é a transexualidade, visto que ainda é um campo cheio de perguntas e com poucas respostas fáceis de serem compreendidas. LARTE-SE ainda que não trace com precisão quem é o personagem título, é uma ótima ponte de discussão sobre a transexualidade. É o primeiro documentário brasileiro produzido pela Netflix e acompanha a cartunista e chargista paulistana Laerte Coutinho, criadora de icônicos personagens como o super-herói Overman; o onipotente Deus; os Piratas do Tietê; o modernoso e trágico Hugo Baracchini; a menininha Suriá e o crossdresser  Muriel / Hugo. Aos 57 anos de idade (em 2009), Laerte assumiu sua sua transgeneridade, ou algo perto disso, já que ela afirma estar “sob um guarda-chuva que inclui a travesti, o crossdresser, a drag queen, o drag king” e que se sente feliz com isso; em um processo reflexivo que vinha sendo “cozinhado” — inclusive com uma série de dicas e talvez sublimações nada sutis em suas tirinhas — desde 2004. Ela assumiu a sua transexualidade, depois de três casamentos e três filhos como homem cisgénero. O documentário faz uma investigação de todos os desafios que essa nova condição requer de sua pessoa para viver como “mulher”, e a pergunta que ronda a análise é: afinal o que é ser uma mulher? 
O filme não se preocupa em necessariamente formar um manifesto pró-direitos de transexuais, mas sim mostrar o que Laerte é por dentro, discorrer sobre seus sentimentos, perdas e reflexões sobre sua existência, tomando como um dos pontos de partida a morte de seu filho. Além da questão trans, central no filme, diversos outros temas delicados são tocados, sem nenhum peso desnecessário e apelativo: a morte do filho de Laerte, suas relações familiares, corpo, sexualidade, nudez, política. O dinamismo das conversas, a correta exploração do silêncio e a exploração de crises existenciais de Laerte valem todo o filme. O formato escolhido pelas diretoras Lygia Barbosa da Silva e Eliane Brum de um bate papo descontraído com Laerte sobre a vida é muito interessante, já que acaba aproximando o público da história, além disso, o acervo de imagens pessoas e as tirinhas que dizem muito sobre o personagem só reforçam o tom leve e sereno da abordagem. Mas sem dúvida o que o torna o documentário uma obra necessária é a abordagem da transexualidade, pois o fato da cartunista ter vivido tantos anos dentro de uma condição que não era a natural de sua existência, deixou traumas sentimentais que a fazem ser em determinados momentos desconfiada de seus verdadeiros talentos e posição, por isso, a produção acaba sendo uma forma de mostrar que ser transexual não é um erro ou pecado e sim algo inerente ao desejo. Um destaque que merece menção é a montagem do documentário, que faz o paralelo da reforma na casa da Laerte com o seu desejo de ter seios, para assim se sentir plena como mulher, ora em diálogos, ora através das tirinhas, dessa forma o ritmo da narrativa é sempre continuo e agradável de se ver.

Para além da estética, o filme é um soco elegante nas masculinidades tóxicas, na transfobia, na insensibilidade do feminismo radical para com as mulheres trans e no próprio movimento transgênero. Laerte chega a contar, notadamente à vontade na presença de Eliane Brum, a respeito de seu incômodo com certos posicionamentos fascistas dentro do movimento trans, como por exemplo a escolha pela não mudança de sexo vista como fator de exclusão. Laerte, que, sem aparente falsa modéstia, não se considera uma mulher corajosa, teve coragem suficiente para abrir o seu mundo para que dele nascesse um filme lindo e necessário. LARTE-SE traz um convite para algo que mais do que nunca precisamos nesta era carente de tolerância. Traz o convite para o diálogo, para a revisão de papéis e conceitos formais, por meio de provocações ou reflexões do Laerte, mas que é a extensão de nossas próprias indagações retraídas. Obrigatório e Transcendente!!

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