GRITOS E SUSSURROS (Viskningar Och Rop) –
Suécia, 1972 – Direção Ingmar Bergman – elenco: Liv Ullmann, Ingrid Thulin,
Harriet Andersson, Kari Sylwan, Erland Josephson, Anders EK, Inga Gill, Henning
Moritzen, Georg Arlin, Ingmar Bergman (narrador), Ingrid Bergman (espectadora),
Lena Bergman (Maria criança), Rossana Mariano (Agnes criança), Monika Priede
(Karin criança) – 90 minutos.
UM VERDADEIRO ESTUDO DA ANGÚSTIA FEMININA EM
VERMELHO PROFUNDO!!
Um filme de Bergman não cabe num registro
rápido e momentâneo. Exige, no mínimo, um ensaio. Afinal, não é por nada que o
cineasta sueco é estudado e discutido por psiquiatras e psicólogos - tanto ou
mais do que por críticos de cinema. No máximo, uma informação pode auxiliar ao
espectador menos entrosado no labiríntico universo bergmaniano a encontrar
caminhos que esclareçam, ou ajudem a esclarecer, as suas proposições. É um
filme hermético, e, por isso mesmo desafia o espectador que gosta de temas
difíceis tratados com inteligência na tela. GRITOS E SUSSURROS concorreu ao
Oscar, em cinco categorias (Melhor filme, Melhor Direção, Melhor Roteiro e
Melhor Figurino; recebendo apenas um: o de Melhor Fotografia, pelo trabalho
perfeito de Sven Nykvist). Como em todos os filmes de Bergman, há uma linha
muito própria de visão do subconsciente dos angustiados personagens - querendo
libertar-se de um mundo fechado na memória/cérebro de cada um. Lembrando ainda
o lúcido comentário de um crítico: "Nesse filme estão todas as grandes
linhas de pensamento e da arte bergmaniana: as influências de gênios
escandinavos, de Strindgerg a Dreyer; os reflexos da formação cristã
(definitivamente encerrada com a trilogia em torno do Silêncio de Deus); o
existencialismo, especialmente pela vertente de Kirkegaard (já que a essência
do melhor do cineasta é cultivar com paixão religiosa a dúvida de toda
certeza)".
Foi o próprio Ingmar Bergman quem definiu
GRITOS E SUSSURROS como um filme que se aproxima mais de um estado de alma
do que propriamente de uma história a ser narrada dentro dos princípios básicos
do cinema. Deixar transparecer o que se oculta sobre as formalidades das
relações humanas é o objetivo dessa obra reveladora. Não que a trama envolvendo
a agonia de uma mulher em estado terminal e de suas duas irmãs seja
irrelevante. Muito pelo contrário. É no limiar da vida que Bergman percebe o
momento das grandes revelações, aquelas abafadas pela moral, pelos costumes e
pela religião. Obra de um autor maduro, o roteiro se apropria do universo
das peças de Tchecov, em especial “Tio Vânia”, destrinchando o complexo
universo das relações humanas, principalmente aquelas sustentadas por frágeis
laços familiares. O olhar desafiador é herança não apenas de Tchekov, mas
também de Ibsen, autor favorito e referência em todos os roteiros bergmanianos.
Realizado em 1972, GRITOS E SUSSURROS talvez seja o filme que melhor
sintetiza as preocupações estéticas e temáticas do diretor de MORANGOS SILVESTRES (1958). Foi
dito talvez porque uma década mais tarde, Bergman se superaria com FANNY &
ALEXANDER (1982), que além da densidade dramática é uma espécie de retrato da
infância do autor. Ambos os filmes são geniais, completos e
extraordinários. Em GRITOS E SUSSURROS, a agonia da personagem Ágnes (Harriet
Andersson), que perpassa todo o filme, permite ao cineasta traçar um painel da
impotência humana diante da morte, mesmo dilema presente em filmes como O SÉTIMO SELO (1956) e LUZ DE INVERNO
(1962). O destino inexorável lança os personagens à própria sorte, ou
melhor, à falta de sentido de suas vidas tacanhas, enquadradas na rigidez das
normas sociais de um mundo dominado pelos machos, símbolos moral protestante,
que reprime a inventividade e o desejo.
Ingmar Bergman confia às suas personagens
femininas, que vivem uma espécie de exílio familiar, o caminho da salvação. A
morte de Ágnes, ainda que por alguns instantes, liberta o amor contido de suas
duas irmãs, a travada Karin (Ingrid Thulin) e a frígida Maria (Liv
Ullmann). Já para Anna (Kari Sylwan), a criada, a morte de Ágnes
representa a oportunidade de mostrar o humanismo e a compaixão intoleráveis no
ambiente repressivo abordado pelo filme. Mas GRITOS E SUSSURROS é
sobretudo um filme que se utiliza do requinte estético para expressar
sentimentos. A fotografia do gênio Sven Nykvist em vermelho profundo, além
de criar uma atmosfera onírica quase atemporal, ilumina instantes inesquecíveis
de amor, ódio e ternura. Nykvist, fotógrafo de grande parte dos filmes de
Bergman, reforça a idéia de clausura física e existencial, oferecendo um
belíssimo contraponto na sequência final, quando irmãs e criada correm pela
grama, num momento de paz, feminilidade e conforto, em que cessam os gritos e
sussurros. Mas seria este um filme incompleto sem a interpretação formidável
das três atrizes principais, cujas máscaras procuram justamente traduzir o
indizível da alma humana. São elas, por sinal, a matéria-prima do cinema
bergmaniano. GRITOS E SUSSURROS pode ser visto ainda como uma reverência
àqueles que são, na verdade, a alma do seu cinema - os atores, cujas imagens na
tela ratificam a utopia cinematográfica do triunfo da vida sobre a morte. Belo,
inesquecível, difícil, inquietante e extraordinário, obra-prima de riqueza
infinita, é um dos filmes mais perturbadores do mestre Ingmar Bergman!! É um dos mais belos filmes do cinema! Um verdadeiro estudo
da angústia feminina em vermelho profundo! É uma daquelas raras experiências
que o espectador carrega por toda a sua existência!! Perfeito e obrigatório!!
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