O ESPÍRITO DA COLMÉIA
(El Espiritu de la Colmena) Espanha, 1973 – Direção de Victor Erice – elenco:
Ana Torrent, Isabel Tellería, Teresa Gimpera, Fernando Fernán Gómez, Kétty de
la Cámara, Estanis González, Juan Margallo, José Villasante, Laly Soldevila,
Miguel Picazo – 97 minutos
ACLAMADO COMO UM DOS MAIS BELOS FILMES DO CINEMA
O espanhol Victor Erice
tinha apenas 23 anos ao estrear na direção cinematográfica de longas-metragens
com a estranha e bela fábula alegórica “O ESPÍRITO DA COLMÉIA”. Foi um início
de carreira arrebatador. A obra venceu o prestigiado Festival de San Sebastian
e decolou, em uma trajetória vitoriosa que acumulou prestígio ao longo dos
anos, a ponto de ter sido votada por cinéfilos do país de origem como terceiro
melhor filme espanhol de todos os tempos, em votação realizada em 1996. É um
título justo para um filme belo e difícil, que usa técnicas de realismo
fantástico para pôr uma criança no centro de uma história que une dois temas
duros e aparentemente inconciliáveis – a política e a filosofia. Exibindo enorme
segurança narrativa e olho privilegiado para compor imagens de luz e textura
inesquecíveis, Victor Erice ousa entrelaçar, com muita habilidade, dois temas
que raramente aparecem juntos num mesmo longa-metragem. Através de alegorias
intrincadas, o drama rural traça um panorama pessimista e tristonho da
alienação e do isolamento provocados pela guerra civil espanhola, sem soar em
nenhum momento engajado ou mesmo doutrinador. Ao mesmo tempo, acompanha com
delicadeza o processo de tomada de consciência, pela pequena protagonista, da
inevitabilidade da morte. Talvez seja um dos retratos mais bonitos e pungentes
desta fase melancólica da infância de todos nós.
A história traz como
protagonista Ana (Ana Torrent), filha de seis anos de um apicultor. Ela
freqüenta a escola de uma aldeia isolada, na área rural da Espanha, junto com a
irmã mais velha, Isabel. Certo dia, um comboio itinerante exibe para os
estudantes o clássico de horror “Frankenstein” (1931), de James Whale.
Fascinada pela figura do monstro, Ana não entende muito bem o que ocorreu na
mais famosa cena do filme (aquela em que ele mata sem querer uma menina,
jogando-a num lago). Com os parentes sempre distantes e em crise – o pai passa
os dias cuidando de colméias, enquanto a mãe espera em vão um amor do passado
que nunca surge – ela busca resposta com a irmã, que está mais próxima. Meio de brincadeira,
Isabel diz a Ana que as mortes da criança e da criatura são pura fantasia
cinematográfica. Ela garante que o monstro está vivo e mora num galpão
abandonado perto da casa delas. Segundo Isabel, Frankenstein é um fantasma, e
sua aparência externa grotesca, no longa exibido para os meninos, é apenas uma
roupa. Excitada com a possibilidade de encontrar e conversar com a criatura,
Ana passa a freqüentar o tal galpão com assiduidade, ainda que ele esteja quase
sempre vazio. É lá que ela vai manter um encontro inesperado que mudará para
sempre sua maneira de ver a vida.
Trata-se
de uma bela história. Impressiona, sobretudo, pela destreza com que o jovem e
inexperiente Victor Erice consegue erguer metáforas complexas e originais para
traduzir a sensação de isolamento que a Espanha experimentava na época, sob a
cruel ditadura de Franco. Em certo momento, por exemplo, o pai ensina as
crianças a observar o “movimento histérico das abelhas na colméia”. O
espectador mais atento vai observar que as janelas do casarão velho e escuro
onde vive a família tem a aparência de gomos de mel. A colméia, portanto,
simboliza a residência da família, que por sua vez vive sem conseguir se
comunicar, com os membros em permanente mutismo, distantes entre si. O diretor ilustra essa incomunicabilidade filmando os
quatro moradores da casa sempre em planos distintos – não há uma única tomada
em que pai, mãe e filhas apareçam todos juntos. Em uma leitura mais ousada, é
possível ainda compreender o casarão como uma metáfora para a própria Espanha:
um lugar dividido, em que a crise é claríssima e evidente, mas ninguém tem
coragem de abordá-la. Corajosamente, o cineasta não se põe em nenhum lado,
tecendo apenas um lamento pungente pela situação em que o país se encontra. E
faz isso de modo sutil, sem jamais mencionar diretamente a guerra civil que
rachava o país em dois. No meio de tudo isso, ele encontra espaço para
abordar a jornada pessoal da criança, que gradativamente começa a tomar
consciência desta situação de crise, ao mesmo tempo em que percebe o significado
da morte e todas as suas conseqüências. Se é belíssimo, contudo, O ESPÍRITO DA
COLMÉIA é também um filme extremamente difícil. A ausência quase completa de
diálogos, bem como as longas tomadas com a câmera estática, emprestam ao filme
um ritmo bastante lento. Dão a ele, também, um caráter reflexivo, já que
absolutamente nada é exposto diretamente. Tudo precisa ser deduzido a partir da
observação atenta – e os longos silêncios auxiliam o espectador na tarefa de
desvendar os significados ocultos das belas imagens em tons de mel, erigidas
pelo excepcional fotógrafo Francisco Cuadrado. Uma obra-prima do cinema mundial!! Poderoso, sensível, tocante,
nostálgico e arrebatador!! Um belíssimo filme!!
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