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domingo, 9 de julho de 2017

O ESPÍRITO DA COLMÉIA (El Espiritu de la Colmena) Espanha, 1973 – Direção de Victor Erice – elenco: Ana Torrent, Isabel Tellería, Teresa Gimpera, Fernando Fernán Gómez, Kétty de la Cámara, Estanis González, Juan Margallo, José Villasante, Laly Soldevila, Miguel Picazo – 97 minutos

                  ACLAMADO COMO UM DOS MAIS BELOS FILMES DO CINEMA



O espanhol Victor Erice tinha apenas 23 anos ao estrear na direção cinematográfica de longas-metragens com a estranha e bela fábula alegórica “O ESPÍRITO DA COLMÉIA”. Foi um início de carreira arrebatador. A obra venceu o prestigiado Festival de San Sebastian e decolou, em uma trajetória vitoriosa que acumulou prestígio ao longo dos anos, a ponto de ter sido votada por cinéfilos do país de origem como terceiro melhor filme espanhol de todos os tempos, em votação realizada em 1996. É um título justo para um filme belo e difícil, que usa técnicas de realismo fantástico para pôr uma criança no centro de uma história que une dois temas duros e aparentemente inconciliáveis – a política e a filosofia. Exibindo enorme segurança narrativa e olho privilegiado para compor imagens de luz e textura inesquecíveis, Victor Erice ousa entrelaçar, com muita habilidade, dois temas que raramente aparecem juntos num mesmo longa-metragem. Através de alegorias intrincadas, o drama rural traça um panorama pessimista e tristonho da alienação e do isolamento provocados pela guerra civil espanhola, sem soar em nenhum momento engajado ou mesmo doutrinador. Ao mesmo tempo, acompanha com delicadeza o processo de tomada de consciência, pela pequena protagonista, da inevitabilidade da morte. Talvez seja um dos retratos mais bonitos e pungentes desta fase melancólica da infância de todos nós. 

A história traz como protagonista Ana (Ana Torrent), filha de seis anos de um apicultor. Ela freqüenta a escola de uma aldeia isolada, na área rural da Espanha, junto com a irmã mais velha, Isabel. Certo dia, um comboio itinerante exibe para os estudantes o clássico de horror “Frankenstein” (1931), de James Whale. Fascinada pela figura do monstro, Ana não entende muito bem o que ocorreu na mais famosa cena do filme (aquela em que ele mata sem querer uma menina, jogando-a num lago). Com os parentes sempre distantes e em crise – o pai passa os dias cuidando de colméias, enquanto a mãe espera em vão um amor do passado que nunca surge – ela busca resposta com a irmã, que está mais próxima. Meio de brincadeira, Isabel diz a Ana que as mortes da criança e da criatura são pura fantasia cinematográfica. Ela garante que o monstro está vivo e mora num galpão abandonado perto da casa delas. Segundo Isabel, Frankenstein é um fantasma, e sua aparência externa grotesca, no longa exibido para os meninos, é apenas uma roupa. Excitada com a possibilidade de encontrar e conversar com a criatura, Ana passa a freqüentar o tal galpão com assiduidade, ainda que ele esteja quase sempre vazio. É lá que ela vai manter um encontro inesperado que mudará para sempre sua maneira de ver a vida.



Trata-se de uma bela história. Impressiona, sobretudo, pela destreza com que o jovem e inexperiente Victor Erice consegue erguer metáforas complexas e originais para traduzir a sensação de isolamento que a Espanha experimentava na época, sob a cruel ditadura de Franco. Em certo momento, por exemplo, o pai ensina as crianças a observar o “movimento histérico das abelhas na colméia”. O espectador mais atento vai observar que as janelas do casarão velho e escuro onde vive a família tem a aparência de gomos de mel. A colméia, portanto, simboliza a residência da família, que por sua vez vive sem conseguir se comunicar, com os membros em permanente mutismo, distantes entre si. O diretor ilustra essa incomunicabilidade filmando os quatro moradores da casa sempre em planos distintos – não há uma única tomada em que pai, mãe e filhas apareçam todos juntos. Em uma leitura mais ousada, é possível ainda compreender o casarão como uma metáfora para a própria Espanha: um lugar dividido, em que a crise é claríssima e evidente, mas ninguém tem coragem de abordá-la. Corajosamente, o cineasta não se põe em nenhum lado, tecendo apenas um lamento pungente pela situação em que o país se encontra. E faz isso de modo sutil, sem jamais mencionar diretamente a guerra civil que rachava o país em dois. No meio de tudo isso, ele encontra espaço para abordar a jornada pessoal da criança, que gradativamente começa a tomar consciência desta situação de crise, ao mesmo tempo em que percebe o significado da morte e todas as suas conseqüências. Se é belíssimo, contudo, O ESPÍRITO DA COLMÉIA é também um filme extremamente difícil. A ausência quase completa de diálogos, bem como as longas tomadas com a câmera estática, emprestam ao filme um ritmo bastante lento. Dão a ele, também, um caráter reflexivo, já que absolutamente nada é exposto diretamente. Tudo precisa ser deduzido a partir da observação atenta – e os longos silêncios auxiliam o espectador na tarefa de desvendar os significados ocultos das belas imagens em tons de mel, erigidas pelo excepcional fotógrafo Francisco Cuadrado. Uma obra-prima do cinema  mundial!! Poderoso, sensível, tocante, nostálgico e arrebatador!! Um belíssimo filme!!




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