TRINTA – Brasil, 2014 – Direção Paulo Machline –
elenco: Matheus Nachtergaele, Paolla Oliveira, Mariana Nunes, Milhem Cortaz,
Fabrício Boliveira, Augusto Madeira, Marco Ricca, Tato Gabus Mendes, Paulo
Tiefenthaler, Ernani Moraes, Gustavo Novaes, Lea Garcia – 92 minutos
A HISTÓRIA DO HOMEM QUE REINVENTOU O CARNAVAL
Essa obra quase documental mostra a
interessante e divertida jornada de um artista em busca da afirmação da sua
arte popular e coletiva e os percalços que ele inevitavelmente encontra no
caminho. Uma homenagem mais do que merecida, e muito bem-vinda em uma
época onde o politicamente correto dita as regras. E ser politicamente correto
era uma coisa que Joãosinho Trinta (João Clemente Jorge Trinta),
definitivamente, não era. Ainda bem. Bem conduzida pelo diretor Paulo
Machline, a produção é valorizada por uma trilha sonora deliciosa e figurinos
caprichados. Como se pode notar, “TRINTA” reúne qualidades que justificam a ida
ao cinema. O filme cresce quando mostra o retrato do homem genial, de
sua solidão no trabalho diário, a dedicação exagerada ao processo de criação.
Em seu melhor momento, Joãosinho Trinta desenvolve o enredo enquanto lembra das
histórias que lhe eram contadas pela avó. O diretor aprofunda na ficção a
mística do personagem que o fascinou, imortalizado pela frase certeira: “O povo
gosta de luxo, quem gosta de lixo é intelectual”. Ele não se deixa levar pelo
brilho dos desfiles das Escolas de Samba do Rio. Faz um filme em que a mola é a
simplicidade e leva a pensar se a intenção não foi realmente emparelhar-se à
produção brasileira do período em que Joãosinho sagrou-se campeão pelo
Salgueiro. Diferente de cinebiografias
extensas que tencionam traçar o retrato de uma personalidade do (quase)
nascimento à (quase) morte e acabam por dispersar o espectador, TRINTA toma a parte
pelo todo.
A
ambição do filme é de outra ordem: mostrar quem é Joãosinho Trinta (a imagem que temos do
carnavalesco) a partir de quem foi Joãosinho
Trinta (o homem antes do mito). E esse é um dos grandes méritos do filme. A produção acompanha o
protagonista dos anos 1960, quando se muda do Maranhão para o Rio de Janeiro a
fim de se tornar bailarino do Theatro Municipal (fato que poucas pessoas
conhecem, aliás) até 1974, ano em que ele assume o posto de carnavalesco da
Acadêmicos do Salgueiro, tradicional escola de samba do carnaval carioca.
O filme exclui a apresentação da agremiação
Beija-Flor de 1989, a mais famosa do carnavalesco (vencedor daquele ano com o
enredo “Ratos e Urubus, Larguem a Minha Fantasia” – com a imagem do Cristo como
mendigo censurada pela Igreja Católica). O que chama a atenção, além
da atuação monumental de Matheus Naschtergaele, é a capacidade de suscitar
discussões de trinta anos atrás com uma naturalidade estranhamente comum aos
dias de hoje. Nachtergaele carrega a bandeira. Como disse Machline em
entrevistas, o papel foi feito para ele. E a escolha não poderia ter sido
melhor. Irreverente, o ator incorpora o jeito engraçado, contido e amistoso que
marcou Joãosinho até sua morte. O roteiro
acerta ao orbitar a trama em torno da luta de Joãosinho para fazer valer sua
concepção no inovador desfile “O Rei da França na Ilha da Assombração”, conduzindo
a narrativa com segurança – ainda que de maneira um tanto convencional – até o
apoteótico final. Além de qualquer talento em particular, "TRINTA"
é um conjunto que se revela superior do que a soma de suas partes individuais.
Tem-se aqui um filme envolvente, que vai além do reduto dos fãs de Carnaval,
comprovando que uma boa história é mesmo universal.
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