ESSE MUNDO É
DOS LOUCOS (Le Roi de Coeur) França / Itália, 1966 – Direção Philippe de Broca
– elenco: Alan Bates, Geneviève Bujold, Pierre Brasseur, Jean-Claude Brialy,
Adolfo Celi, Michel Serrault, Micheline Presle, Palau, Jacques Balutin,
Françoise Christophe, Julien Guiomar, Pier Paolo Capponi, Madeleine Clervanne,
Marc Dudicourt, Philippe de Broca, Yves Robert, Daniel Prévost – 102 minutos
UMA DELICADA ALEGORIA
ANTIGUERRA
É um dos filmes
mais encantadores e mais belos dos agitados, vulcânicos e loucos anos 1960. É
um dos filmes mais marcantes, e mais memoráveis do cinema francês. É uma
violenta sátira antiguerra, antimilitarismo, que demonstra, como num teorema,
que louco é quem faz guerra. Que acreditam no ser humano; que mostram as hipocrisias,
os pecados, as insanidades das pessoas e das instituições, mas apontam que tudo
poderia ser muitíssimo melhor. O filme abusa das cores. Têm muitas cores
fortes, vibrantes, quentes, em cada uma das tomadas. E, nesse detalhe das cores, ESSE MUNDO É DOS LOUCOS é primo-irmão de
outros filmes marcantes, impressionantes, emblemáticos, que ao mesmo tempo
refletem o espírito dos anos 1960 como também ajudaram a moldar esse próprio
espírito: “Os Guarda-Chuvas do Amor” (Les Parapluies de Cherbourg -1964) e “Duas Garotas Românticas” (Les
Demoiselles de Rochefort) -
1967), ambos de Jacques Demy, “As Duas Faces da Felicidade” (Le Bonheur -1965), da mulher de Demy, Agnès
Varda, “Elvira Madigan” (1967), do
sueco Bo Widerberg.
Fracasso
absoluto em seu país, o filme conheceu um imenso sucesso nos Estados Unidos, o
maior mercado consumidor de entradas de cinema do mundo. Num país dividido ao
meio entre os favoráveis e os opositores à intervenção militar no Vietnã, em
meio a protestos constantes contra a guerra, o antimilitarismo, o pacifismo de “Esse
Mundo é dos Loucos” (Le Roi de Coeur) caiu como maná abençoado no gosto dos
estudantes, do nascente movimento da contracultura, os hippies etc. Na ficção
de Philippe De Broca, o regimento de Alan Bates chega a uma pequena cidade do
interior da França. Os habitantes, alarmados, fugiram, não sem antes abrir a
porta do hospício. Quando Bates, que se chama Plumpick, se instala, os
louquinhos mansos já tomaram conta do lugar. Num mundo ameaçado pela loucura da
guerra, são eles os verdadeiros 'sensatos' - os racionais. Há quem diga que o
filme sendo de 1966, antecipou-se e ajudou a criar o slogan "Faça amor,
não faça guerra", que virou o emblema da geração paz e amor. Foi em 1965,
simultaneamente à escalada da Guerra do Vietnã, que surgiu pela primeira vez o
termo hippie no artigo de um jornalista de São Francisco que refletia sobre mudanças
comportamentais da juventude da época.
Na trilha aberta pela beat
generation, esses jovens adotavam um modo de vida comunitário, tendendo a uma
espécie de socialismo utópico e libertário. Nesse quadro, Plumpick abdica das
armas para viver sua história de amor com Coquelicot, a doce Geneviève Bujold,
que o diretor veste com a roupa da trapezista de “O
Circo”, de Charles Chaplin, que também era o (inatingível) objeto
de desejo de Carlitos. Decorrido todo esse tempo, é bom verificar que o impacto
da cena final de “Esse Mundo É dos Loucos” permanece inalterado. Mas com certeza
contribuiu para a aura do filme o desfecho em que o soldado, nu - e carregando
a gaiola com o pássaro -, bate à porta da casa de loucos, pedindo permissão
para entrar. No mundo que voltou ao "normal", os loucos precisam ser
apartados e alienados de novo. E Bates não quer fazer parte dessa (des)ordem. “Esse Mundo é dos Loucos” espelha um estado de espírito, um
comportamento libertário próprio dos anos 1960. Rever o filme é um pouco como
viajar no tempo para encontrar a gênese da contracultura.
A
ENCENAÇÃO DO ABSURDO EM TEMPOS ABSURDOS
FÁBULA
ANTIMILITARISTA QUE SE MANTÉM IMPLACAVELMENTE ATUAL
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