AO
CAIR DA NOITE (It Comes at Night) EUA, 2017 – Direção Trey Edward Shults –
elenco: Joel Edgerton, Christopher Abbott, Kelvin Harrison Jr., Carmen Ejogo,
Riley Keough, Griffin Robert Faulkner, David Pendleton, o cão Mikey (Stanley),
Mick O’Rourke, Chase Joliet – 91 minutos
UM TERROR PSICOLÓGICO ABORDA O
MEDO DO COMPORTAMENTO HUMANO
Toda a
narrativa deste filme é estabelecida com a sutileza de cenas ambíguas. A
alusão à peste bubônica, por exemplo, se faz presente em dois momentos muito
sucintos: quando um grande quadro mostrando a Humanidade medieval combatendo
caveiras é mostrado por alguns segundos e quando Travis desenha uma floresta
ocupada por esqueletos. Unindo essas duas passagens às profissões de Paul e
Will, os dois líderes do filme, é fácil compreender o caminho que o longa
trilha. Paul, o protagonista, é um ex-professor de história ao passo que Will
já exerceu diversos trabalhos de “construção”, como mecânico e assistente de
obras; portanto, um conhece a história da Humanidade, e outro, supostamente,
pode proteger a casa e elaborar armadilhas/bugigangas/sistemas de defesa. Mesmo
com todo esse preparo, porém, os personagens permanecem vulneráveis diante de
um inimigo invisível. Da mesma produtora do já cult “A Bruxa, “Ao Cair da Noite) combina texto,
fotografia (escura e úmida), trilha (minimalista e discreta), todos os
elementos a favor da dramaturgia. E o resultado é uma atmosfera de constante
apreensão e medo rural.
A estratégia do diretor é simples e eficaz:
sugerir ameaças que, ainda que invisíveis, se fazem presentes e reais. Para
alcançar este resultado, Shults e o diretor de fotografia Drew Daniels mantêm a
câmera sempre em movimento, investindo em zooms lentos que, fechando o quadro
enquanto focam algum ponto do cenário ou da locação, levam o espectador quase a
espremer os olhos ao tentar enxergar o que exatamente encontra-se escondido ali
– como no instante, por exemplo, em que o cachorro da família late para algo na
floresta. Enquanto isso, o ótimo design de produção
concebe a casa que abriga aquelas pessoas como um conjunto de espaços escuros e
claustrofóbicos que insinuam perigos ocultos nas sombras – e mesmo que a porta
vermelha situada ao fim de um corredor seja óbvia em sua cor e simbolismo, isto
não a torna menos eficiente como recurso narrativo. O grande protagonista dessa
obra tensa é o adolescente Travis, filho de Paul (Joel Edgerton). Interpretado por Kevin
Harrison Jr., Travis é um rapaz introspectivo e solitário que, dividindo o
quarto com seu cão, tem o hábito de se esconder no sótão para ouvir as
conversas dos pais e, posteriormente, aquelas entre Will e Kim – e quando o
vemos rir de uma piada particular do casal, sua solidão se torna ainda mais
tocante. Além disso, como alguém atravessando o auge de seu despertar sexual, o
jovem não demora a demonstrar certo interesse por Kim, o que resulta numa
conversa entre os dois na cozinha, no meio da noite, durante a qual - mesmo
nada de comprometedor sendo dito - ambos percebem o subtexto que move o
diálogo, sendo admirável o trabalho dos dois intérpretes, já que Harrison evoca
o desconforto excitado do garoto enquanto Keough permite que Kim pareça estar
se divertindo internamente com a reação do outro.
“Ao Cair da Noite” fala muito mais sobre nossos medos internos e
transborda tópicos como paranoia, experimentando a forma como lidamos e
convivemos sob circunstâncias extremas. O mal pode existir e estar lá fora, mas
permeia todos nós, se mostrando muito mais perigoso e urgente quando é
deflagrado de dentro para fora. O filme revela-se,
então, muito mais do que um suspense/horror que o marketing pode sugerir, mas
uma análise da fragilidade humana diante de forças muito além de nosso
controle, como as da natureza. É um verdadeiro estudo de nossa espécie, capaz
de mostrar como cedemos ao nosso lado primitivo a qualquer sinal de
desordem.
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