Z:
A CIDADE PERDIDA (The Lost City of Z) EUA, 2016 – Direção James Gray – elenco: Charlie
Hunnam, Robert Pattinson, Sienna Miller, Tom Holland, Edward Ashley, Angus
Macfadyen, Franco Nero, Ian McDiarmid, Clive Francis, Pedro Coello, Johann
Myers, Aleksandar Jovanovic, Bobby Smalldridge, Tom Mulheron, Elena Solovey,
Matthew Sunderland, Daniel Huttlestone, Nathaniel Bates Fisher, Murray Melvin,
Harry Melling, Michael Jenn, Michael Ford-FitzGerald – 141 min.
DUALIDADE
E GLÓRIA EM UM DOS MELHORES FILMES DO ANO DE 2017
A história real de um homem obstinado, que não
abriu mão de suas convicções mesmo diante das maiores adversidades, é um belo
exercício de cinema de um realizador austero e competente ao extremo.
Este é um
filme único, uma produção bastante ambiciosa e, com certeza, na lista dos
melhores filmes do ano. Baseado no livro de David Grann, com roteiro adaptado pelo próprio diretor, o
filme relata a biografia de Percy Fawcett, condecorado herói militar britânico.
O sujeito honrado e exímio profissional se deparou com barreiras devido a sua
árvore genealógica e nunca conseguiu adentrar o círculo privado do alto
escalão. Mesmo assim, foi selecionado a participar de um projeto, numa
sociedade de exploradores, a fim de mapear territórios sul americanos
desconhecidos, no Brasil e Bolívia. Está entre os filmes que
exploram a ganância e a intolerância dos europeus enquanto estes exploravam as
Américas. Contudo, poucos pegam tal situação, que proporcionou a destruição de
inúmeras culturas e povos nativos, e criam uma obra otimista, focando em
situações pessoais em detrimento de uma análise da situação como um todo. “Z: A Cidade Perdida” faz
isso. Baseado em uma história real, o filme acompanha o explorador Percy
Fawcett e sua obcecada busca por uma cidade perdida no interior da selva
amazônica.
“Z: A Cidade Perdida” consegue ir
além de sua narrativa principal e tecer boas críticas à sociedade da época.
Aliás, tais críticas são, infelizmente, aplicáveis nas sociedades ocidentais de
hoje. A arrogância e prepotência dos europeus que se negam a acreditar na
possibilidade de haver uma grande civilização ainda desconhecida, por exemplo,
quase impedem a existência de uma expedição que mudou a história das
explorações e mapeamentos no nosso continente. Embora os personagens
pareçam ser unilaterais, eles também são complexos para que a história se
desenvolva. Robert Pattinson, cada vez mais maduro em suas atuações, e Edward Ashley
funcionam como parceiros de expedição. Mesmo que não se saiba nada sobre eles,
a não ser a dualidade de posicionamento que apresentam, o espectador consegue
acompanhar a importância deles na narrativa e torcer pelo progresso das
personagens. É elogiável o trabalho de James Gray,
como diretor, ao estabelecer o revisionismo de um período em que os europeus
são vistos por muitos como heróis, quando, na verdade eram figuras
auto-indulgentes e extremamente preconceituosas, tendo quase sabotado suas
próprias descobertas. Precisou haver o reconhecimento externo para que, então,
compreendessem a importância da exploração não para achar riquezas, mas para
conhecer e aprender com novas civilizações. O diretor e roteirista sabe tratar desses
assuntos com inteligência e sutileza.
Com uma
fotografia soberba do veterano Darius Khondji, o filme expõe os sacrifícios
feitos por Percy ao retratar de maneira quase idílica seus momentos com a
família, transformando a floresta amazônica em um paraíso de cores fortes, mas
também ameaçador, com quadros fechados que constantemente sugerem a
claustrofobia e a desorientação provocadas pelas paredes de verde e que se
contrapõem à frieza de boa parte das cenas ambientadas em Londres. Esta
experiência em localidades exóticas é que vai, finalmente, propiciar uma virada
na vida de Fawcett. Em 1906, ele é convencido pela Real Sociedade Geográfica a
usar sua experiência como cartógrafo para mapear a até então desconhecida
nascente do rio Verde, na Bolívia. Dessa expedição, nasce a curiosidade pela
cultura dos índios locais, cujos restos de antigos artefatos despertam em
Fawcett a certeza de que o continente sul-americano abrigara antigas
civilizações complexas, ainda desconhecidas (Machu Picchu, por exemplo, seria
descoberta apenas em 1912). Um outro acerto no filme é dar suficiente peso na
tela à vida familiar do protagonista. Pai de três filhos, dois deles nascidos
durante suas longas viagens, ele tem uma mulher independente, culta e
desafiadora, Nina (Sienna Miller, ocupando com carisma a tela num papel que só
à primeira vista parece coadjuvante). A direção é luxuosa e de fácil identificação, e com o
carisma de seus atores, tira totalmente o que poderia ser um filme sonolento do
terreno da apatia, lhe garantindo vida o suficiente para nos manter
interessados na longa jornada. Belo e reflexivo!!!