A OVELHA NEGRA (Hrútar) Islândia, 2015 –
Direção Grímur Hákonarson – elenco: Sìgurdur Sìgurjónsson, Theodór Júlíusson,
Charlotte Boving, Jón Benónýsson, Gunnar Jónsson, Porleifur Einarsson, Sveinn
Ólafur Gunnarsson, Ólafur Ólafsson – 93 min
UM INTERESSANTE E DELICADO ESTUDO SOBRE PERDA E
SOBRE A QUAL UMA CIDADE SE SUSTENTA NA ISLÂNDIA
Com imagens visualmente impressionantes e um
elenco coeso no endurecimento necessário aos personagens, esta obra-prima do
cinema islandês (raro de se ver aqui no Brasil) é um filme bastante curioso que
prende a atenção não apenas pela realidade bem específica que apresenta, mas também
pelos próprios elementos dramatúrgicos que entrega ao espectador em uma
história difícil, mas de certa forma singela e tocante. A OVELHA NEGRA ganhou o
prêmio principal da mostra Un Certain
Regard do Festival de Cannes 2015 e
foi o candidato da Islândia na corrida ao Oscar 2016 na categoria de Melhor
Filme Estrangeiro, mas injustamente ficou de fora dos pré-selecionados. O filme
foi exibido na 39ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. É um trabalho
minimalista tanto no realismo quanto no absurdo da história inspirada em fatos
reais de pastores locais, e demonstra um precioso equilíbrio entre melancolia e
humor, rigor estético e singelo apelo emocional.
Na Islândia, as ovelhas possuem um papel
econômico e cultural de extrema importância para o seu povo. Lá existem mais
ovelhas do que seres humanos e os animais são adorados pelos seus donos. O
cineasta faz questão de situar o espectador neste contexto logo nos primeiros
minutos do filme, apresentando-as como figuras quase divinas e, por este motivo,
passíveis de um sentimento de devoção. Concursos do melhor cordeiro são
realizados todo ano, causando imensa expectativa entre os fazendeiros. Após um
destes torneios, um dos derrotados decide “investigar” o animal ganhador e logo
desconfia que ele possui scrapie, uma perigosa e contagiosa doença que ataca o
cérebro e a medula espinhal – uma espécie de “vaca louca das ovelhas”. A
notícia logo se espalha, o alerta é dado e, com a doença confirmada, nada mais
resta a não ser iniciar a quarentena do local. O que significa matar centenas
de ovelhas, das mais diversas fazendas, para evitar que a contaminação se
alastre. A rotina de todo o vilarejo é modificada. É neste cenário que vivem os
irmãos Gummi (Sìgurdur Sìgurjónsson) e Kiddi (Theodór Júliússon), dois dos
criadores mais experientes e respeitados do país e que, mesmo morando em
fazendas vizinhas na mesma propriedade, não se falam há mais de quarenta anos.
Ambos, cada qual a sua maneira, tentam salvar suas criações do sacrifício
decretado pelas autoridades. O diretor usa sua experiência como documentarista
para retratar o cotidiano dos criadores e seus rebanhos de ovelhas, enquanto
mescla o registro com um tom de fábula.
Através de longos planos, geralmente estáticos,
de zooms que se aproximam lentamente para revelar detalhes de objetos ou das
expressões de seus personagens, e de enquadramentos perfeitamente simétricos,
Grímur Hákonarson – que cita o russo Andrei Tarkovsky e o finlandês Aki
Kaurismäki como influências estéticas – capta este conflito fraterno, bem como
as belíssimas paisagens nevadas da Islândia, mantendo também uma constante
atmosfera cômica. O humor negro da trama, por vezes beirando o absurdo, se
intensifica aos poucos, gerando momentos genuinamente divertidos, como as cenas
com o cachorro que entrega os recados enviados entre os irmãos ou a sequência
envolvendo a embriaguez de Kiddi e uma escavadeira. O diretor faz, então, com
que seu foco na relação com os animais evolua para o da relação entre os seres
humanos, transformando os elementos do universo particular de sua história em
temas de apelo muito mais abrangentes: a mágoa, o arrependimento, a família, a
fraternidade e a redenção. Pois se existe um momento em que estas
características da humanidade afloram é no momento de união em torno de um
interesse comum. Para Gummi e Kiddi, mais do que a atividade que os sustenta,
perder suas ovelhas significa perder sua identidade, perder o único elo com sua
história, seu passado. E acertar as contas com esse passado soa como algo
inevitável. À medida que a trama caminha para seu desfecho, e os segredos
congelados de outrora voltam à tona, os irmãos parecem regredir para tempos
mais afetivos em suas memórias, culminando em uma simbólica volta ao útero,
apresentada num dos mais belos planos do filme. Um filme universal que merece
ser conferido!!!!
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