QUELÉ DO PAJEÚ -Brasil, 1970 – Direção Anselmo
Duarte – elenco: Tarcísio Meira, Rossana Ghessa, Jece Valadão, Sérgio Hingst,
Elizangela, Guy Loup, Luiz Alberto Meirelles, Jorge Karam, Anita Esbano,
Simplício, Ravina, Maurício Gracco, Nhô Juca, Regina D. Paris, Reginaldo Vieira,
Geraldo Vandré – 115 minutos
Apoiado
num esquema de produção de categoria internacional, a narrativa caminha em
linha reta num trabalho artesanal seguro e atraente. (Jornal do Brasil)
Um excelente filme, com grande atuação do
protagonista Quelé (interpretado por Tarcísio Meira) e de todo o elenco, em
especial do antagonista Cecílio (caracterização de Jece Valadão). Essa obra
produzida em 1970 mostra, além do "caminho do herói" Quelé, todo um
contexto do sertão brasileiro da primeira metade do século XX. A trama é bastante
movimentada e interessante - prende a atenção do espectador, e o deixa motivado
a saber o desfecho da trajetória do herói. Mostra também o clima do sertão
nordestino, a aridez, o sofrimento da vida do sertanejo, a pobreza e as mazelas
sociais pelas quais sofrem desde os tempos mais antigos. Quelé tem uma
trajetória tensa, tortuosa, cheia de desatinos e infelicidades. Ele se depara
com todo tipo de figura em sua jornada para fazer justiça após a maldade
desonrosa cometida por Cecílio contra sua Irmã caçula: Marizolina. Ele se vê
envolvido com bandidos, miseráveis, policiais, cangaceiros etc. No elenco a
presença marcante de Rossana Ghessa, que faz Maria do Carmo, o amor da vida de
Quelé. O final tem um caráter épico com o protagonista encerrando a sua
"jornada do Herói" lutando contra tudo e todos de maneira
emblemática. E propõe que o caminho do protagonista seja não apenas um caminho
individual, mas um caminho de insurreição coletiva.
Lima Barreto, o cineasta, era também escritor e um de seus livros
foi exatamente “Quelé do Pajeú”, que ele tencionou levar ao cinema. Excêntrico
e de temperamento difícil, o que se refletiu em dificuldades de produção em
todos seus projetos inclusive no bem sucedido artística e comercialmente “O
Cangaceiro” (1953), Lima Barreto viu fracassar a tentativa de transformar
“Quelé do Pajeú” em filme. Escreveu o
roteiro e com ele debaixo do braço saiu em busca de financiamento, mas aos 63
anos de idade e cada vez mais irascível, viu todas as portas se fecharem. O
roteiro de Lima Barreto chegou às mãos de Anselmo Duarte que leu e
imediatamente se interessou em filmá-lo, impondo a condição de fazer algumas
alterações na história, com o que a
princípio Lima concordou. O terceiro filme de Anselmo Duarte, “Veredas da
Salvação” (1965) não havia repetido o êxito comercial de “O Pagador de
Promessas” (1962), mas mesmo assim Anselmo conseguiu apoio financeiro de
pessoas físicas e jurídicas. Além do Instituto Nacional do Cinema (INC), nada
menos que sete bancos decidiram investir no projeto, assim como gente conhecida como o colunista social Ibrahim
Sued e o crítico carioca Carlos Fonseca. Com um bilhão de cruzeiros para seu
novo projeto, Anselmo Duarte não teve dificuldades em contratar Tarcísio Meira,
já então o mais famoso galã da televisão e a atriz Izabel Cristina (que mudou o
nome para Guy Loup) igualmente conhecida, além de Jece Valadão e Rossana Ghessa para os principais papéis.
Lima Barreto pretendia filmar “Quelé do Pajeú” no sertão pernambucano buscando
maior autenticidade, mas Anselmo levou a equipe para a sua cidade natal, Salto
de Itú, uma espécie de Alabama Hills cabocla, onde o filme foi quase
inteiramente rodado.
O filme estava considerado irremediavelmente perdido. Até que uma
cópia foi encontrada na Itália. Rever o filme quase 50 anos depois de sua
realização, permite ao espectador preencher mais uma peça do enorme quebra-cabeça
que é o cinema brasileiro, e permite também reavaliar a produção de cinema dos
anos 1960, esse turbilhão, especialmente na relação entre o “cinema novo” e um cinema
de matiz mais comercial. Anselmo Duarte, o diretor, por muito tempo permaneceu
entre “a cruz e a espada” no cinema brasileiro, entre “o céu e o inferno” e
entre “Deus e o Diabo”, desde que filmou “O Pagador de Promessas” (1962). Todos
esses termos são usados como analogia não apenas à posição do Anselmo na
trajetória do cinema brasileiro, mas aos temas colocados por alguns de seus
próprios filmes.
Aclamado como uma obra surpreendente, misteriosa e
atemporal, “Quelé do Pajeú” é um filme comparado a alguns westerns de Anthony
Mann e Sergio Corbucci. O espaço é o amplo sertão nordestino, a peregrinação é
um deslocamento físico entre inclusive diversos estados, entre Alagoas e
Pernambuco. Um dos conflitos na história é entre o verde e a seca: a vegetação
é um dos mais formidáveis elementos de “mise en scene” desse notável filme, que
usa a base do cinema clássico, com uma enorme produção em termos financeiros,
finalizada em 70 mm. Usa a base do cinema de gênero (o western, o “filme de
cangaço”), e claramente dialoga com o cinema italiano (o western italiano),
semelhança aumentada pela coincidência do destino de a cópia recuperada ser
legendada em italiano. É um filme
absolutamente importante sob muitos aspectos. A “historiografia clássica” do
cinema brasileiro está sendo redescoberta e reavaliada por toda uma geração nos
últimos anos e “Quelé do Pajeú” certamente é uma dessas obras valiosas.
Uma
aventura narrada em linguagem simples e universal, capaz de prender o
espectador na poltrona da primeira à última cena. (Jornal Última Hora)
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