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sábado, 5 de novembro de 2016

OS OITO ODIADOS (The Hateful Eight) EUA, 2015 – Direção Quentin Tarantino – elenco: Samuel L. Jackson, Kurt Russell, Jennifer Jason Leigh, Walton Goggins, Demián Bichir, Tim Roth, Michael Madsen, Bruce Dern – 187 minutos

      TARANTINO PERMANECE UM EXÍMIO MANIPULADOR DE SENSAÇÕES


Antes de mais nada, OS OITO ODIADOS, o oitavo filme do cineasta Quentin Tarantino, é uma revisita a tudo o que esse brilhante diretor fez e também a suas referências. Ele mostra, assim, que não procura adentrar novo território e sim afinar suas ferramentas narrativas. Durante uma nevasca, o carrasco John Ruth (Kurt Russell) está transportando uma prisioneira, a famosa Daisy Domergue (Jennifer Jason Leigh, na atuação mais luminosa de sua carreira), que ele espera trocar por grande quantia de dinheiro. No caminho, os viajantes aceitam transportar o caçador de recompensas Marquis Warren (Samuel L. Jackson, em estado de graça), que está de olho em outro tesouro, e o xerife Chris Mannix (Walton Goggins, mostrando ser um ator de ilimitadas ferramentas), prestes a ser empossado em sua cidade. Como as condições climáticas pioram, eles buscam abrigo no Armazém da Minnie, onde quatro outros desconhecidos estão abrigados: Bob, o mexicano (Demian Bichir); Oswaldo “The Little Man” Mobray (Tim Roth); Joe “The Cow Puncher” Gage (Michael Madsen) e Sanford Smithers, o Confederado (Bruce Dern).  Aos poucos, os oito viajantes no local começam a descobrir os segredos sangrentos uns dos outros, levando a um inevitável confronto entre eles. O ódio de cada um há de ser uma arma carregada de sagacidade, ou de fúria. 


Tarantino enclausura esses oito tipos sociais muito precisos dentro do pequeno armazém para assisti-los a se digladiarem. A composição do elenco que encarna esses oito odiados é brilhante, conforme acima exposto. O mecanismo perverso poderia soar artificial, mas funciona porque nenhum dos personagens possui mais voz do que o outro, e nenhum corresponde ao ideal do herói – como era o ex-escravo de DJANGO LIVRE. O espectador observa o ringue à distância, sem ter para quem torcer. Nos primeiros 80 minutos o filme é lento, mas em seguida sofre uma transformação brutal e excelente com a entrada do próprio Tarantino, que além de ser diretor e roteirista, também faz as vezes de narrador, comentando as numerosas reviravoltas. Ao longo de sua filmografia, o cineasta desenvolveu uma persona tão talentosa quanto histriônica, sempre a um passo de canibalizar as próprias histórias. Neste caso, ele se introduz na trama, faz citações às suas obras - partes do clímax constituem referências diretas a BASTARDOS INGLÓRIOS (2009) e CÃES DE ALUGUEL (1992), utiliza seus atores-fetiche de modo a espelhar os papéis deles em filmes anteriores do autor. É inegável que Tarantino vem construindo um universo cinematográfico homogêneo e de alta qualidade.


Embalado pela trilha vencedora do Oscar 2016 do veterano compositor italiano Ennio Morricone, que colabora com ele pela primeira vez, o diretor estica ao máximo a expectativa da tragédia iminente. Como sempre, ele aposta muito nos diálogos provocativos, que vão delimitando o terreno dos duelos que se espera a qualquer momento que vão ser assumidos pelos muitos revólveres à disposição. A trilha de Morricone, curiosamente criada antes de o compositor ver uma imagem sequer, reforça a aparência de terror, com o tema tenso, em cordas, se intensificando rumo ao clímax catártico. Numa espécie de ressaca pela descrença na autorregeneração dos homens, OS OITO ODIADOS parece vir inaugurar uma terceira margem na trajetória de Tarantino, menos antropológica do que a de seus primeiros gângsters fãs de Royale With Cheese, menos sociológica do que a seus nazistas poliglotas. Agora, neste western invernal, a política é o indivíduo, a ideologia é o verbo lucrar, a esperança é um ganho congelado e a palavra “herói” é um sujeito oculto. Assim, este grande filme efetua um retrato da pluralidade social americana. A provocação a Abraham Lincoln (a carta escrita pelo presidente) constitui a cereja no bolo deste retrato da América selvagem entre quatro paredes. A filmagem em 70mm coroa a ironia criativa do projeto: Tarantino desejava ter a maior dimensão imagética possível para retratar um lugar pequeno, obtendo um efeito ao mesmo tempo íntimo e abrangente, minimalista e épico.

         NINGUÉM VAI A UM LUGAR SEM UM MALDITO DE UM BOM MOTIVO


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