AS MARAVILHAS (Le Meraviglie) Itália /
Suíça / Alemanha, 2014 – Direção Alice Rohrwacher – elenco: Sam Louwyck, Alba
Rohrwacher, Maria Alexandra Lungu, Monica Bellucci, Sabine Timoteo, Luis
Huilca, Agnese Graziani, André Hennicke, Eva Lea Pace Morrow, Maris Stella
Morrow, Carlo Tamarti, Margarete Tiesel – 110 minutos
NADA
PERMANECERÁ IGUAL AO FIM DESSE VERÃO
Povoado de elementos autobiográficos, AS MARAVILHAS, o terceiro
filme da cineasta italiana, Alice Rohrwacher, é uma obra de inegável
relevância, sobre a passagem da infância para a adolescência, narrado do ponto
de vista essencialmente feminino. E que encontra beleza na forma simples com
que consegue transformar todos esses elementos em bom cinema. Todo rodado na
região onde a diretora cresceu – interior da Itália, entre a Umbria e a Toscana
– e tem como protagonistas uma família “duplo sangue” (mãe italiana, pai
alemão), que se sustenta da criação de abelhas e produção de mel. Aqui a
infância tem um ar adocicado para as filhas mais novas, mas para a primogênita Gelsomina
(interpretada com perfeição por Maria Alexandra Lungu), que vive no campo com
sua numerosa família, a conversa é outra.
Ela age e é reconhecida como a cabeça da família, aquela que
coordena e é responsável por todas as tarefas que os pais delegam. A vida no
campo não tem nada a ver com férias, como o pai aponta mais de uma vez. O
trabalho é árduo e a ajuda é necessária, mas a menina parece sobrecarregada com
obrigações e expectativas em cima dela. Muito disso, se deve à figura do pai
que fala três línguas diferentes, às vezes em uma mesma sequência. Sam Louwyck
interpreta o pai e passa bem o sentimento de sonhador e ao mesmo tempo tímido,
mas que tem orgulho da família e de seu mel. Ele protagoniza boas cenas com
Alba Rohrwacher (irmã da diretora e que faz a mãe das meninas) e Sabine Timoteo
(a cunhada agregada) na clássica dinâmica de família italiana confusa e
barulhenta. A relação entre pai e filha
é muito próxima, e, mesmo com arroubos de gritos e brigas, ele não consegue
esconder a predileção que tem por ela com um presente inusitado. É quando
Gelsomina vê uma esperança para si e sua família com a chegada de um programa
de televisão que busca premiar os principais agricultores do interior. Há um
toque felliniano quando entra em cena a grande diva italiana, Monica Bellucci,
fazendo a fada madrinha do programa televisivo e também na personagem
principal, Gelsomina – o mesmo nome da personagem de Giulieta Masina, em “A
Estrada da Vida” (1954). Uma grande homenagem a Federico Fellini. É importante
verificar como a cineasta impressiona com a capacidade de colocar o espectador
como um acompanhante do dia-a-dia de Gelsomina.
Ao escolher tocar a lente na jovem Maria Alexandra Lungu, a
diretora explora cenas que guardam bastante proximidade com pinturas
renascentistas, tal como “Moça com Brinco de Pérola”, de Vermeer. Isso condiz
com o cenário cheio de afazeres que ela tem e o espaço para certo encantamento
encapsulado na presilha de cabelo que ela ganha da apresentadora de televisão,
que a renomada atriz Monica Bellucci faz com suavidade e leveza, possibilitando
fazer referência ao “Nascimento de Vênus”, de Botticelli. A vida de Gelsomina,
e de sua família, sofre uma mudança radical com a chegada do garoto alemão
Martin, menino problemático que faz parte de um programa do governo de
reabilitação, e que é de certa forma adotado pelo patriarca e passa a trabalhar
na casa. Gelsomina e Martin desenvolvem uma relação de cumplicidade que é
focada totalmente no silêncio, uma vez que o jovem praticamente não fala. O pai
de Gelsomina se beneficia duplamente com a adoção de Martin, pois além de
receber uma quantia por cuidar do menino, este acaba se tornando a
materialização das projeções que tanto possuía para um descendente
masculino. A capacidade da cineasta de
produzir um sentimento de memória, recorrendo a elementos bastante sensoriais,
é o que torna a experiência desse pequeno filme bastante especial. A escolha
por filmar em película, na hoje raríssima 16 milímetros, que acentua os grãos
da imagem projetada na tela grande, só reforça a sensação de memória. AS
MARAVILHAS é um filme simples, porém profundo e recheado de simbologias e sutilezas;
e rico em imagens de beleza naturalista. Foi premiado com o Grande Prêmio do
Júri em 2014 no Festival de Cannes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário