O FILHO DE SAUL (Saul Fia) Hungria,
2015 – Direção László Nemes – elenco: Géza Röhrig, Levente Molnár, Urs Rechn,
Todd Charmont, Jerzy Walczak, Gergö Farkas, Balázs Farkas, Sándor Zsótér,
Marcin Czarnik, Levente Orbán, Attila Fritz, Mihály Kormos – 105 min
À PROCURA DE UM DEUS NO
INFERNO
Um dos filmes mais perturbadores dos últimos anos traz uma vasta
bagagem de debates e polêmicas, que remontam ao próprio advento do cinema
moderno, à história da crítica cinematográfica e ao debate entre ética e
estética que tem marcado filmes realizados a partir do pós-Guerra. “A Lista de
Schindler” (1993); “O Resgate do Soldado Ryan (1998); “O Diário de Anne Frank”
(1959); “Uma Batalha no Inferno” (1965); “Patton, Rebelde ou Herói?” (1970); “O
Pianista” (2002); “Além da Linha Vermelha” (1998); “Cartas de Iwo Jima” (2006);
“O Círculo de Fogo” (2001); “Corações de Ferro” (2014); “A Ponte do Rio Kwai”
(1957); “O Mais Longo dos Dias” (1962); “Tora! Tora! Tora!” (1970); “Fugindo do
Inferno” (1963); “Uma Ponte Longe Demais” (1977); “Suíte Francesa” (2014); “A
Queda: As Últimas Horas de Hitler” (2004), esses e muitos outros já contaram os
horrores da Segunda Guerra Mundial de diversos ângulos. Mas o que explica um
diretor estreante se debruçar mais uma vez sobre o tema, realizando-o de uma
forma muito pesada, ganhar todos os prêmios importantes?? O FILHO DE SAUL
ganhou o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes, foi vencedor do Globo de
Ouro de Melhor Filme Estrangeiro e ainda arrebatou o Oscar de Melhor Filme
Estrangeiro em 2016. Existem quatro bons motivos que podem explicar:
1) é uma história universal
- a questão em jogo no filme é reencontrar nem que seja um fio de dignidade
quando todo o resto, até sua vida, já lhe foi tirado. Por isso, não importa
nacionalidade, etnia, idade, o filme encontra e fisga seu espectador;
2) espectador dentro da cena
- o diretor optou por um formato de tela reduzido, o que de cara já causa
claustrofobia no espectador. A câmera na mão fica o tempo todo grudada no rosto
ou nas costas do protagonista. Ao limitar o enquadramento, o horror que se
passa naquele local não é escancarado. Ele está sempre na borda da imagem e na
imaginação de quem o vê, o que pode fazer com que o horror seja ainda maior;
3) é sobre o Holocausto
- o perfil da esmagadora maioria dos votantes da Academia gosta de filmes sobre
a Segunda Guerra Mundial, e esse tema quase sempre pega bem por lá;
4) premiado em Cannes, no
Globo de Ouro e no Oscar 2016 - não que a Academia de Hollywood costuma
seguir tendências, porque há sempre uma surpresa pelo caminho, mas O FILHO DE
SAUL por onde passa vem ganhando muitos prêmios. Até na Mostra de SP, em 2015,
o filme foi a grande sensação.
Mas o público que vai assistir a esse filme surpreendente tem que
saber que vai ver um filme pesado, muito pesado. Ao final da sessão, ele não
saberá se gostou ou não. Mas é essa mesmo a ideia: o drama húngaro propõe uma
nova visão sobre o Holocausto, focando nos efeitos psicológicos do horror sobre
um tipo específico de prisioneiro: aquele que, em troca de alguns meses a mais
de vida, é obrigado a trabalhar na chacina contra o próprio povo. Existem dois
elementos que incomodam muito no filme, mas que são essenciais para a narrativa.
O primeiro é a câmera, que acompanha o protagonista o tempo todo num close
exagerado, sobre seu ombro, como se fôssemos condenados a uma liberdade tão
limitada quanto a sua. O segundo é o próprio Saul: com uma expressão vazia, ele
anda de um lado a outro como uma máquina, seguindo ordens sem erguer os olhos e
nem pronunciar uma palavra. Não existe trilha sonora no filme. Ele foi inteiramente rodado com
lentes de 40mm. A câmera está quase a totalidade do tempo na mão, e cambaleia
frenética por corredores escuros, sujos. Os planos-sequência são frequentes e o
roteiro faz questão de jamais dar paz à plateia. Seja pelo formato de captura
das imagens, pela adoção de um ponto de vista em “primeira pessoa” ou pelo
trabalho da equipe de som para fazer ouvir o desespero, fato é que poucas vezes
um filme sobre a Segunda Guerra Mundial foi capaz de arrancar o espectador de
onde ele está e o carregar para dentro da tela. Em O FILHO DE SAUL, a tragédia
coletiva e a loucura pessoal assumem ares de parábola bíblica. É o
reconhecimento do filho – símbolo de continuidade e transcendência, mesmo que
morto – aquilo que permite a Saul estabelecer algum laço singular com a vida,
em uma situação em que toda singularidade fora anulada. Poderoso e assustador,
é um filme que vai entrar para a História como um dos mais cruéis relatos de um
campo de concentração nazista durante a Segunda Guerra Mundial.
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