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quarta-feira, 9 de novembro de 2016

O FILHO DE SAUL (Saul Fia) Hungria, 2015 – Direção László Nemes – elenco: Géza Röhrig, Levente Molnár, Urs Rechn, Todd Charmont, Jerzy Walczak, Gergö Farkas, Balázs Farkas, Sándor Zsótér, Marcin Czarnik, Levente Orbán, Attila Fritz, Mihály Kormos – 105 min

                            À PROCURA DE UM DEUS NO INFERNO

Um dos filmes mais perturbadores dos últimos anos traz uma vasta bagagem de debates e polêmicas, que remontam ao próprio advento do cinema moderno, à história da crítica cinematográfica e ao debate entre ética e estética que tem marcado filmes realizados a partir do pós-Guerra. “A Lista de Schindler” (1993); “O Resgate do Soldado Ryan (1998); “O Diário de Anne Frank” (1959); “Uma Batalha no Inferno” (1965); “Patton, Rebelde ou Herói?” (1970); “O Pianista” (2002); “Além da Linha Vermelha” (1998); “Cartas de Iwo Jima” (2006); “O Círculo de Fogo” (2001); “Corações de Ferro” (2014); “A Ponte do Rio Kwai” (1957); “O Mais Longo dos Dias” (1962); “Tora! Tora! Tora!” (1970); “Fugindo do Inferno” (1963); “Uma Ponte Longe Demais” (1977); “Suíte Francesa” (2014); “A Queda: As Últimas Horas de Hitler” (2004), esses e muitos outros já contaram os horrores da Segunda Guerra Mundial de diversos ângulos. Mas o que explica um diretor estreante se debruçar mais uma vez sobre o tema, realizando-o de uma forma muito pesada, ganhar todos os prêmios importantes?? O FILHO DE SAUL ganhou o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes, foi vencedor do Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro e ainda arrebatou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2016. Existem quatro bons motivos que podem explicar:

1) é uma história universal - a questão em jogo no filme é reencontrar nem que seja um fio de dignidade quando todo o resto, até sua vida, já lhe foi tirado. Por isso, não importa nacionalidade, etnia, idade, o filme encontra e fisga seu espectador;

2) espectador dentro da cena - o diretor optou por um formato de tela reduzido, o que de cara já causa claustrofobia no espectador. A câmera na mão fica o tempo todo grudada no rosto ou nas costas do protagonista. Ao limitar o enquadramento, o horror que se passa naquele local não é escancarado. Ele está sempre na borda da imagem e na imaginação de quem o vê, o que pode fazer com que o horror seja ainda maior;

3) é sobre o Holocausto - o perfil da esmagadora maioria dos votantes da Academia gosta de filmes sobre a Segunda Guerra Mundial, e esse tema quase sempre pega bem por lá;

4) premiado em Cannes, no Globo de Ouro e no Oscar 2016 - não que a Academia de Hollywood costuma seguir tendências, porque há sempre uma surpresa pelo caminho, mas O FILHO DE SAUL por onde passa vem ganhando muitos prêmios. Até na Mostra de SP, em 2015, o filme foi a grande sensação. 


Mas o público que vai assistir a esse filme surpreendente tem que saber que vai ver um filme pesado, muito pesado. Ao final da sessão, ele não saberá se gostou ou não. Mas é essa mesmo a ideia: o drama húngaro propõe uma nova visão sobre o Holocausto, focando nos efeitos psicológicos do horror sobre um tipo específico de prisioneiro: aquele que, em troca de alguns meses a mais de vida, é obrigado a trabalhar na chacina contra o próprio povo. Existem dois elementos que incomodam muito no filme, mas que são essenciais para a narrativa. O primeiro é a câmera, que acompanha o protagonista o tempo todo num close exagerado, sobre seu ombro, como se fôssemos condenados a uma liberdade tão limitada quanto a sua. O segundo é o próprio Saul: com uma expressão vazia, ele anda de um lado a outro como uma máquina, seguindo ordens sem erguer os olhos e nem pronunciar uma palavra. Não existe trilha sonora no filme. Ele foi inteiramente rodado com lentes de 40mm. A câmera está quase a totalidade do tempo na mão, e cambaleia frenética por corredores escuros, sujos. Os planos-sequência são frequentes e o roteiro faz questão de jamais dar paz à plateia. Seja pelo formato de captura das imagens, pela adoção de um ponto de vista em “primeira pessoa” ou pelo trabalho da equipe de som para fazer ouvir o desespero, fato é que poucas vezes um filme sobre a Segunda Guerra Mundial foi capaz de arrancar o espectador de onde ele está e o carregar para dentro da tela. Em O FILHO DE SAUL, a tragédia coletiva e a loucura pessoal assumem ares de parábola bíblica. É o reconhecimento do filho – símbolo de continuidade e transcendência, mesmo que morto – aquilo que permite a Saul estabelecer algum laço singular com a vida, em uma situação em que toda singularidade fora anulada. Poderoso e assustador, é um filme que vai entrar para a História como um dos mais cruéis relatos de um campo de concentração nazista durante a Segunda Guerra Mundial. 

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