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domingo, 6 de novembro de 2016

AQUARIUS – Brasil, 2016 – Direção Kleber Mendonça Filho – elenco: Sonia Braga, Maeve Jinkings, Irandhir Santos, Humberto Carrão, Barbara Colen, Thaia Perez (tia Lucia 1980), Fernando Teixeira, Daniel Porpino, Buda Lira, Zoraide Coleto, Paula de Renor, Pedro Queiróz, Carla Ribas, Julia Bernat, Arly Arnaud, Leo Wainer, Lula Terra, Allan Souza Lima, Valdeci Junior, Clarissa Pinheiro, Rubens Santos, Bruno Goya, Andrea Rosa, Joana Gatis (Tia Lucia 1940), Tavinho Teixeira, Amanda Gabriel, Fábio Leal – 142 minutos

   UM ELOGIO À RESISTÊNCIA, MESMO QUANDO A CAUSA ESTÁ PERDIDA!!!! 


Temos aqui um filme bastante maduro e notável, com uma protagonista complexa e forte, um elenco de apoio impecável e inspiradíssimo e um roteiro muito bem costurado, com excelentes diálogos e inteligentemente apresentado. O cineasta Kleber Mendonça Filho faz com maestria aqui o que pretendia ter feito com O SOM AO REDOR (2012), um mosaico de emoções que flertam com o terror, o suspense, as relações humanas em diversos níveis afetivos e de poder. Destaque para a bela trilha sonora, contendo Ave Sangria, Gilberto Gil, Mateus Alves, Maria Bethânia, Reginaldo Rossi, Queen, Roberto Carlos e Taiguara. Consciente desta nossa época em que o novo é glorificado e o velho deixado de lado por muitos, o diretor fez deste o mote principal do filme. 


O confronto entre o velho e o novo surge na figura de Clara (Sonia Braga, em uma interpretação de tirar o fôlego, ao mesmo intensa e suave). Ela é uma jornalista e crítica de música aposentada que vive no velho Edifício Aquarius, de frente para a Praia de Boa Viagem, em Recife – Pernambuco. Ela é a dona de um apartamento muito cobiçado por uma imobiliária, que já adquiriu todos os demais imóveis do prédio. O objetivo é pôr tudo abaixo e construir um novo, mas Clara se recusa a vendê-lo. É seu lar há décadas, foi onde criou seus filhos e, ainda hoje, vive bem.  É uma mulher que tem dificuldade de se desapegar desse seu refúgio. Sua rotina, envolta em seus objetos retrôs, junto a empregada doméstica e uma aventura aqui e acolá, passa a ser perturbada pelo jovem Diego (Humberto Carrão, em um excelente personagem passivo-agressivo), que decide liderar a construção desse novo empreendimento. Mas à medida que o filme transcorre, percebe-se o quanto Clara finca cada vez mais suas raízes em seu reduto. Ela não amolece, não desiste ou se deixa seduzir por qualquer investida oferecida pela construtora. Nessa linha de visão, o espectador poderá discutir sobre memória familiar e urbana, modernização das cidades, relação nem sempre harmônica entre público e privado e sobre temas existenciais e humanistas que movem cada um a agir com base em suas paixões e desejos, dentro de determinadas circunstâncias. 


Mais do que simplesmente criar opostos, AQUARIUS quer tratar do valor da memória através da compreensão do que é antigo, sem que seja necessário descartar o novo. Tal imagem está representada na própria protagonista, escolhida a dedo. Estrela maior do cinema brasileiro nas décadas de 1970 e 1980, Sonia Braga andava meio sumida. Seu resgate não é apenas uma imensa homenagem a tudo que fez pelo Cinema Nacional como também uma quebra de expectativa em relação ao que representou como símbolo sexual, potencializando o próprio conceito explorado pelo filme. Só que Sonia não se contenta apenas com este simbolismo automático e entrega uma das maiores atuações de sua carreira, fruto de uma complexidade emocional e ética impressionantes. Este grande filme é um tour de force para a carreira de Sonia Braga. 


Indiscutivelmente AQUARIUS é o melhor filme deste ano de 2016. É cinema de qualidade, uma verdadeira pérola no meio de tantas produções duvidosas brasileiras. É cinema que bebe no cinemão europeu, com simbolismos, pausas contemplativas nos diálogos e a carência de respostas muitas vezes. Além de tudo, a obra possui um tom humano e universal, e não é sempre que se vê isso em um filme brasileiro com alguma linha de ordem social e/ou política em seu enredo, tratando, ao mesmo tempo, das muitas formas de envelhecer, da feminilidade, dos pesadelos e pensamentos sobre o Patrimônio Histórico – em definição ampla – diante da intensa e atraente modernidade. O velho, o novo e o vir-a-ser de um imóvel e de algumas vidas são dissecados aqui. No todo, a obra trata de pessoas agindo para defender aquilo que acreditam ser certo. E é isso que faz do filme um dos melhores lançamentos dos últimos dez anos. É um belíssimo estudo sobre o Brasil atual e suas idiossincrasias, apontadas com olhar clínico pelo diretor, muitas vezes de forma bastante política. O melhor exemplo é a discussão ocorrida sobre a falta de caráter humano, de uma importância abissal para a própria vida e que poderia ser facilmente encaixada em vários outros absurdos cotidianos do nosso país. AQUARIUS é um filme brilhante, um elogio à resistência, mesmo quando a causa está perdida!! Um filme de alta voltagem política, em sua expressão mais ampla!! UM DOS DEZ MELHORES FILMES DA DÉCADA!!!! 

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