A
BRUXA (The Witch: A New-England Folktale) EUA / Canadá / Inglaterra, 2015 –
Direção Robert Eggers – elenco: Anya Taylor-Joy, Ralph Ineson, Kate Dickie,
Harvey Scrimshaw, Ellie Grainger, Lucas Dawson, Julian Richings, Bathsheba
Garnett, Sarah Stephens, Wahab Chaudhry, Axtun Henry Dube, Athan Conrad Dube,
Viv Moore, Brandy Leary – 92 minutos
UMA HISTÓRIA PERTURBADORA DE
TOCAR O LADO SOMBRIO DA ALMA
Na
primeira imagem de A BRUXA, a família
principal é apresentada de costas. Um tribunal acusa-os de heresia, expulsando
pai, mãe e cinco crianças da comunidade. Estamos em pleno século XVII, na Nova
Inglaterra, onde qualquer desvio da religiosidade padrão é interpretado como
grave ameaça ao funcionamento social. Ou seja, a bruxa do título pode ser tanto
a figura concreta da feiticeira quanto a metáfora do elemento dissonante,
perseguido pela comunidade, como se diz na expressão “caça às bruxas”. A exclusão do núcleo familiar desencadeia os eventos assustadores
do filme. O diretor e roteirista estreante Robert
Eggers faz um ótimo trabalho ao associar religiosidade e misticismo,
cristianismo e natureza. Por um lado, esta família de moral rígida acredita nas
forças malignas que vivem na floresta, por outro lado, carrega em si a culpa
típica da moral cristã: se a colheita de milho não dá certo, julgam-se punidos
por algum pecado; se alguém desaparece, acreditam num castigo divino etc. Um
dos fatores mais interessantes da narrativa é sua plausibilidade, já que a
paranoia não provém de sustos ou sombras à noite, e sim de um fator essencial,
a culpabilidade que os personagens carregam consigo desde o nascimento.
A BRUXA é um
manifesto político de afirmação do Feminino; é uma alegoria uterina capaz de expressar, em
sua viagem pelo pântano da fantasia, todos os traumas da submissão das
mulheres. Atuações primorosas, sobretudo a de Anya Taylor-Joy, alternam espaço
com um personagem para entrar na História das Trevas: Black Phillip, sobre o
qual não se pode falar muito. Porém, o que mais rende solidez ao filme é a
reflexão nas entrelinhas sobre a opressão das mulheres, ao longo dos séculos,
caracterizada a partir de uma Nova Inglaterra (de cores lavadas) de
excomunhões, paganismos e de feitiçarias do século XVII. O diretor caminha na
referência de dois pensadores cinematográficos da Fé e do ardor das fêmeas – o
Ingmar Bergman de A FONTE DA DONZELA (1960) e
o Carl Theodor Dreyer de A PALAVRA (1955) –
para fazer uma metafísica da culpa e do revanchismo.
Há inspirações
nos contos dos Irmãos Grimm, como Chapeuzinho Vermelho, João e Maria, até uma
Branca de Neve bem sutil. Além dos Grimm, há referências a lobisomem ou mesmo Adão
e Eva e a maçã do pecado original que separou o homem das grandes verdades do
conhecimento da natureza, como o mistério acerca dos animais, há de exemplo os
corvos e o bode ‘Black Philip’. Outra analogia muito interessante é com os
sete pecados capitais, parecendo que em determinado momento cada membro da
família isolada é testado por algum dos pecados, que se volta contra eles
mesmos e uns contra os outros, como uma grande crítica à fé cega amparada
numa religião castradora em cima do pecado e da culpa, muito bem representado
na ótima empostação vocal do patriarca interpretado por Ralph Ineson. E é neste
sentido que o feminismo da personagem central da filha mais velha, pelos olhos
da qual tudo se passa, começa a se fazer valer como um ponto de virada, e as
suspeitas e acusações faz com que cada um mostre suas verdadeiras faces num
grande pesadelo: Por esses elementos,
o filme traz referências de três filmes extraordinários: AS BRUXAS DE
SALEM, de Nicholas Hytner (1996), mas molda sua estrutura bebendo
também de A FITA BRANCA, de Michael Haneke (2009) e O
ILUMINADO, de Stanley Kubrick (1980). A BRUXA é um
filme de terror menos preocupado com sustos do que com a ideia de explorar a
escuridão dos indivíduos que habitam seu mundo. Durante a maior parte da
projeção, o “terror” que define o gênero surge não em forma de espíritos
malignos, zumbis devoradores de cérebro ou mesmo de bruxas literais, mas de dentro de seus personagens, manifestando-se
na forma de estupidez, superstições e fundamentalismo religioso.UM FILME
OBRIGATÓRIO, ASSUSTADOR E QUE MEXE COM O LADO SOMBRIO DA ALMA!!!!