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quarta-feira, 30 de novembro de 2016

A BRUXA (The Witch: A New-England Folktale) EUA / Canadá / Inglaterra, 2015 – Direção Robert Eggers – elenco: Anya Taylor-Joy, Ralph Ineson, Kate Dickie, Harvey Scrimshaw, Ellie Grainger, Lucas Dawson, Julian Richings, Bathsheba Garnett, Sarah Stephens, Wahab Chaudhry, Axtun Henry Dube, Athan Conrad Dube, Viv Moore, Brandy Leary – 92 minutos

     UMA HISTÓRIA PERTURBADORA DE TOCAR O LADO SOMBRIO DA ALMA


Na primeira imagem de A BRUXA, a família principal é apresentada de costas. Um tribunal acusa-os de heresia, expulsando pai, mãe e cinco crianças da comunidade. Estamos em pleno século XVII, na Nova Inglaterra, onde qualquer desvio da religiosidade padrão é interpretado como grave ameaça ao funcionamento social. Ou seja, a bruxa do título pode ser tanto a figura concreta da feiticeira quanto a metáfora do elemento dissonante, perseguido pela comunidade, como se diz na expressão “caça às bruxas”. A exclusão do núcleo familiar desencadeia os eventos assustadores do filme. O diretor e roteirista estreante Robert Eggers faz um ótimo trabalho ao associar religiosidade e misticismo, cristianismo e natureza. Por um lado, esta família de moral rígida acredita nas forças malignas que vivem na floresta, por outro lado, carrega em si a culpa típica da moral cristã: se a colheita de milho não dá certo, julgam-se punidos por algum pecado; se alguém desaparece, acreditam num castigo divino etc. Um dos fatores mais interessantes da narrativa é sua plausibilidade, já que a paranoia não provém de sustos ou sombras à noite, e sim de um fator essencial, a culpabilidade que os personagens carregam consigo desde o nascimento.


A BRUXA é um manifesto político de afirmação do Feminino;  é uma alegoria uterina capaz de expressar, em sua viagem pelo pântano da fantasia, todos os traumas da submissão das mulheres. Atuações primorosas, sobretudo a de Anya Taylor-Joy, alternam espaço com um personagem para entrar na História das Trevas: Black Phillip, sobre o qual não se pode falar muito. Porém, o que mais rende solidez ao filme é a reflexão nas entrelinhas sobre a opressão das mulheres, ao longo dos séculos, caracterizada a partir de uma Nova Inglaterra (de cores lavadas) de excomunhões, paganismos e de feitiçarias do século XVII. O diretor caminha na referência de dois pensadores cinematográficos da Fé e do ardor das fêmeas – o Ingmar Bergman de A FONTE DA DONZELA (1960) e o Carl Theodor Dreyer de A PALAVRA (1955) – para fazer uma metafísica da culpa e do revanchismo.


Há inspirações nos contos dos Irmãos Grimm, como Chapeuzinho Vermelho, João e Maria, até uma Branca de Neve bem sutil. Além dos Grimm, há referências a lobisomem ou mesmo Adão e Eva e a maçã do pecado original que separou o homem das grandes verdades do conhecimento da natureza, como o mistério acerca dos animais, há de exemplo os corvos e o bode ‘Black Philip’. Outra analogia muito interessante é com os sete pecados capitais, parecendo que em determinado momento cada membro da família isolada é testado por algum dos pecados, que se volta contra eles mesmos e uns contra os outros, como uma grande crítica à fé cega amparada numa religião castradora em cima do pecado e da culpa, muito bem representado na ótima empostação vocal do patriarca interpretado por Ralph Ineson. E é neste sentido que o feminismo da personagem central da filha mais velha, pelos olhos da qual tudo se passa, começa a se fazer valer como um ponto de virada, e as suspeitas e acusações faz com que cada um mostre suas verdadeiras faces num grande pesadelo: Por esses elementos, o filme traz referências de três filmes extraordinários: AS BRUXAS DE SALEM, de Nicholas Hytner (1996), mas molda sua estrutura bebendo também de A FITA BRANCA, de Michael Haneke (2009) e O ILUMINADO, de Stanley Kubrick (1980). A BRUXA é um filme de terror menos preocupado com sustos do que com a ideia de explorar a escuridão dos indivíduos que habitam seu mundo. Durante a maior parte da projeção, o “terror” que define o gênero surge não em forma de espíritos malignos, zumbis devoradores de cérebro ou mesmo de bruxas literais, mas de dentro de seus personagens, manifestando-se na forma de estupidez, superstições e fundamentalismo religioso.UM FILME OBRIGATÓRIO, ASSUSTADOR E QUE MEXE COM O LADO SOMBRIO DA ALMA!!!!


segunda-feira, 28 de novembro de 2016

MEU AMIGO, O DRAGÃO (Pete’s Dragon) EUA, 2016 – Direção David Lowery – elenco: Bryce Dallas Howard, Robert Redford, Oakes Fegley, Oona Laurence, Karl Urban, Wes Bentley, Marcus Henderson, Aaron Jackson, Isiah Whitlock Jr., Steve Barr, Phil Grieve, Keagan Carr Fransch, Jade Valour, Francis Biggs, Levi Alexander – 103 minutos

                   UM FILME QUE É QUASE UM MITO SOBRE ADOÇÃO!!!!


Nesta nova versão de “Meu Amigo, o Dragão” (Pete’s Dragon) - pois existe uma versão realizada em 1977 e desconhecida da geração atual – o diretor investiu mais na simbiose entre o garoto e o dragão, no sentido de um apoiar e se preocupar com o outro. Algo parecido com o sentimento existente entre um dono e seu animal de estimação querido, ainda mais porque este Elliot é mais uma espécie de “dragão-cachorro” – no comportamento – do que o gaiato brincalhão da versão original de 1977. Sem a estrutura de musical, nenhuma das canções originais escritas no filme anterior – entre elas, a mais conhecida é “It’s Not Easy”, que foi inclusive gravada em português num dueto por Roberto Carlos e a Turma do Balão Mágico intitulada “É Tão Lindo”, em 1984 – por Al Kasha, Joel Hirschhom e Irwin Kostal, indicados ao Oscar pelo trabalho, permanece na produção de 2016. No entanto, a opção pelo folk na trilha sonora do novo filme, com direito a Leonard Cohen, The Lumineers e música folclórica, integra-se bem ao novo cenário, já que sai a cidade litorânea de uma Nova Inglaterra de época e entra um vilarejo que parece cravado no nordeste norte-americano.  


Levando a sério o sentido de “remake”, David Lowery transforma o ingênuo musical de quase quarenta anos, de estética e narrativa típicas de cartoon, em uma fábula estruturada dentro de um conto mais realista para o Século XXI. Ou melhor, uma fantasia para tempos mais cínicos, onde só a magia dos super-heróis parece conquistar a geração atual, mas que prefere se dedicar às relações humanas e à dinâmica de amizade spielbergiana entre Pete (Oakes Fegley) e seu raro amigo animal do que demonstrações de pirotecnias visuais. Ao contrário, elas são usadas a favor da narrativa, como na sequência inicial do acidente em que o menino, então com quatro anos (na pele do expressivo Levi Alexander), fica órfão: o slow motion só acentua o caráter de aventura que os pais prometem a ele, embora a tragédia fique evidente no lirismo do recurso. Perdido na floresta, o garoto é logo protegido por um dragão, ao qual chama de Elliot, crescendo junto com ele naquele habitat não mais hostil. 

“Meu Amigo, o Dragão” é quase um mito sobre adoção e conquista pela sua delicadeza em tocar em assuntos como amizade, família, meio ambiente (com uma linda mensagem de preservação à natureza) e ganância. O filme consegue realizar momentos inspiradíssimos, entendendo que a fantasia e a aventura não estão apenas nos grandes acontecimentos e nos efeitos especiais, mas sim na construção de um momento que foge do real. E nesse resgate a um espírito de aventura, o filme também é capaz de reencontrar a sensibilidade, não tem medo de apostar num afeto que está sempre presente. É também sobre o reencontro familiar, e o Dragão é uma espécie de tutor para o menino, protegendo-o debaixo de suas asas. O filme revela toda inocência seja no seu clima despretensioso de aventura quanto na sua moral da história. Consegue ainda, resgatar um espírito quase perdido, uma sensação de aventura única e ao mesmo tempo em que é fantástica parece que só poderia acontecer ali, quase como um fato cotidiano. Encantador e tocante, vale o ingresso!!!!



sexta-feira, 25 de novembro de 2016

WARCRAFT – O PRIMEIRO ENCONTRO DE DOIS MUNDOS (Warcraft) EUA / Canadá, 2016 – Direção Duncan Jones – elenco: Travis Fimmel, Paula Patton, Ben Foster, Dominic Cooper, Ruth Negga, Ben Schnetzer, Toby Kebbell, Daniel Wu, Clancy Brown, Anna Galvin, Robert Kazinsky, Callum Keith Rennie, Glenn Close, Burkely Durffield, Ryan Robbins, Michael Adamthwaite, Callan Mulvey, Tommy Rieder, Dylan Schombing, Christian Sloan, Mackenzie Gray, Wesley MacInnes – 123 min 


     UM FILME QUE USA REALIDADE VIRTUAL PARA APONTAR O FUTURO



São vários os exemplos de games adaptados para o cinema que não passam de péssimas incursões. “Warcraft” veio com a missão de mudar esse histórico. O diretor Duncan Jones além de ser fã do jogo possui uma respeitável trajetória cinematográfica. Coube a ele a missão de realizar essa fantasia épica com grande responsabilidade e competência. Outro importante desafio para o cineasta era fazer um filme atraente para gamers e não-gamers. Diferentemente de “O Senhor dos Anéis”, aqui não há os humanos como heróis e os orcs como monstros. Existem heróis e vilões dos dois lados. Visualmente o filme impressiona muito, com cenas de batalhas espetaculares, com direito a tomadas aéreas de vilas invadidas por orcs. O roteiro se passa em um universo no qual os orcs estão prestes a invadir o mundo dos humanos, atravessando, para isso, um portal mágico invocado pelo maligno Gul’dan (Daniel Wu), e cuja “energia” surge apropriadamente no verde-esmeralda que, ao lado do roxo, é classicamente associado à ideia de morte e destruição. Para conter a ameaça, o rei Llane (Dominic Cooper) solicita a ajuda do guerreiro Lothar (Travis Fimmel), que, ao lado do jovem aprendiz de mago Khadgar (Ben Schnetzer), recorre ao Guardião (Ben Foster) por proteção. Enquanto isso, o orc Durotan (Toby Kebbell) questiona a liderança destrutiva de Gul’dan, usando a mestiça “orquisa” Garona (Paula Patton) como ponte para tentar estabelecer um pacto com os humanos. WARCRAFT propõe-se como experiência radical. Muitos podem até detestar, mas penetra num universo hiper-realista e detalhado que tem servido como fonte de experimentação para artistas visuais de ponta. Com uma trama básica, o filme cria diferentes pontos de vista para o espectador. Vale o ingresso!!!!



quarta-feira, 23 de novembro de 2016

CANÇÃO DO SOL DA MEIA-NOITE (Song of Norway) EUA, 1970 – Direção Andrew L. Stone – elenco: Toralv Maurstad, Florence Henderson, Frank Porretta, Christina Schollin, Harry Secombe, Oskar Homolka, Robert Morley, Edward G. Robinson, Henry Gilbert, Richard Wordsworth, Elizabeth Larner, Frederick Jaeger, Bernard Archard – 138 min

   UMA BELA HISTÓRIA DE AMOR NOS CENÁRIOS MAIS LINDOS DO MUNDO!!!!


Este musical conta a vida de três amigos de infância: Edvard Grieg (Toralv Maurstad), Nina Grieg (Florence Handerson) e Rikard Nordraak (Frank Porretta). Rikard é um poeta, Edvard um compositor, e Nina tem a mais bela voz da região.  Edvard Grieg vive na pobreza após se graduar no conservatório de música, e escandaliza a sua família quando casa com sua prima Nina. Ele desenvolve um romance com sua amiga Therese Berg (Christina Schollin), uma rica mulher que faz um trato com o seu influente pai - em troca do término do romance, ele deverá arranjar um concerto para Grieg em Estocolmo. Quando finalmente viaja para Roma, é que ele começa a ter seus dotes como compositor verdadeiramente apreciados. Mas o romance, na verdade, nunca foi completamente terminado, e o auto-sacrifício da apaixonada Nina é sempre superado pelos ricos e grandes presentes de Therese. Será que algum dia esse casamento que começou com um escândalo familiar, conseguirá realmente virar um verdadeiro amor? O filme vale pelo elenco que embala uma história bonita, pelas paisagens lindíssimas e deslumbrantes da Noruega e pelos inesquecíveis números musicais. Um filme raro que marcou época!!!! 



sexta-feira, 18 de novembro de 2016

AS MARAVILHAS (Le Meraviglie) Itália / Suíça / Alemanha, 2014 – Direção Alice Rohrwacher – elenco: Sam Louwyck, Alba Rohrwacher, Maria Alexandra Lungu, Monica Bellucci, Sabine Timoteo, Luis Huilca, Agnese Graziani, André Hennicke, Eva Lea Pace Morrow, Maris Stella Morrow, Carlo Tamarti, Margarete Tiesel – 110 minutos

                    NADA PERMANECERÁ IGUAL AO FIM DESSE VERÃO


Povoado de elementos autobiográficos, AS MARAVILHAS, o terceiro filme da cineasta italiana, Alice Rohrwacher, é uma obra de inegável relevância, sobre a passagem da infância para a adolescência, narrado do ponto de vista essencialmente feminino. E que encontra beleza na forma simples com que consegue transformar todos esses elementos em bom cinema. Todo rodado na região onde a diretora cresceu – interior da Itália, entre a Umbria e a Toscana – e tem como protagonistas uma família “duplo sangue” (mãe italiana, pai alemão), que se sustenta da criação de abelhas e produção de mel. Aqui a infância tem um ar adocicado para as filhas mais novas, mas para a primogênita Gelsomina (interpretada com perfeição por Maria Alexandra Lungu), que vive no campo com sua numerosa família, a conversa é outra. 


Ela age e é reconhecida como a cabeça da família, aquela que coordena e é responsável por todas as tarefas que os pais delegam. A vida no campo não tem nada a ver com férias, como o pai aponta mais de uma vez. O trabalho é árduo e a ajuda é necessária, mas a menina parece sobrecarregada com obrigações e expectativas em cima dela. Muito disso, se deve à figura do pai que fala três línguas diferentes, às vezes em uma mesma sequência. Sam Louwyck interpreta o pai e passa bem o sentimento de sonhador e ao mesmo tempo tímido, mas que tem orgulho da família e de seu mel. Ele protagoniza boas cenas com Alba Rohrwacher (irmã da diretora e que faz a mãe das meninas) e Sabine Timoteo (a cunhada agregada) na clássica dinâmica de família italiana confusa e barulhenta.  A relação entre pai e filha é muito próxima, e, mesmo com arroubos de gritos e brigas, ele não consegue esconder a predileção que tem por ela com um presente inusitado. É quando Gelsomina vê uma esperança para si e sua família com a chegada de um programa de televisão que busca premiar os principais agricultores do interior. Há um toque felliniano quando entra em cena a grande diva italiana, Monica Bellucci, fazendo a fada madrinha do programa televisivo e também na personagem principal, Gelsomina – o mesmo nome da personagem de Giulieta Masina, em “A Estrada da Vida” (1954). Uma grande homenagem a Federico Fellini. É importante verificar como a cineasta impressiona com a capacidade de colocar o espectador como um acompanhante do dia-a-dia de Gelsomina. 


Ao escolher tocar a lente na jovem Maria Alexandra Lungu, a diretora explora cenas que guardam bastante proximidade com pinturas renascentistas, tal como “Moça com Brinco de Pérola”, de Vermeer. Isso condiz com o cenário cheio de afazeres que ela tem e o espaço para certo encantamento encapsulado na presilha de cabelo que ela ganha da apresentadora de televisão, que a renomada atriz Monica Bellucci faz com suavidade e leveza, possibilitando fazer referência ao “Nascimento de Vênus”, de Botticelli. A vida de Gelsomina, e de sua família, sofre uma mudança radical com a chegada do garoto alemão Martin, menino problemático que faz parte de um programa do governo de reabilitação, e que é de certa forma adotado pelo patriarca e passa a trabalhar na casa. Gelsomina e Martin desenvolvem uma relação de cumplicidade que é focada totalmente no silêncio, uma vez que o jovem praticamente não fala. O pai de Gelsomina se beneficia duplamente com a adoção de Martin, pois além de receber uma quantia por cuidar do menino, este acaba se tornando a materialização das projeções que tanto possuía para um descendente masculino.   A capacidade da cineasta de produzir um sentimento de memória, recorrendo a elementos bastante sensoriais, é o que torna a experiência desse pequeno filme bastante especial. A escolha por filmar em película, na hoje raríssima 16 milímetros, que acentua os grãos da imagem projetada na tela grande, só reforça a sensação de memória. AS MARAVILHAS é um filme simples, porém profundo e recheado de simbologias e sutilezas; e rico em imagens de beleza naturalista. Foi premiado com o Grande Prêmio do Júri em 2014 no Festival de Cannes. 


quinta-feira, 17 de novembro de 2016

EU TRANSO... ELA TRANSA – Brasil, 1972 – Direção Pedro Camargo – elenco: Sandra Barsotti, Marcos Paulo, Jorge Dória, Darlene Glória, Rodolfo Arena, Daisy Lúcidi, o cantor Marcello, Fernando Torres, Suzy Arruda, Orlandivo, Sadi Cabral, Rose Di Primo, Mary Daniel, Moacyr Deriquém, Almir Gurgel, Arthur Maia, Abel Pera, Luiz Tadeu, Leda Zeppelin – 100 min

UMA PEQUENA CRÔNICA DA FAMÍLIA BRASILEIRA!!!!


O cinema brasileiro dos anos 1970 foram marcados por movimentos como a pornochanchada e muitos filmes da melhor qualidade. EU TRANSO... ELA TRANSA, dirigido por Pedro Camargo, faz parte dessa época e desse contexto cultural. A sinopse discorre sobre Roberto (Jorge Dória), um executivo de 45 anos, que mora na Zona Sul do Rio de Janeiro, é um chefe de família sempre bem disposto e com a simpatia peculiar a certos homens de negócio que costumam resolver facilmente todos os problemas. Vivem ao seu lado a Dedé, sua mulher (Daisy Lúcidi); Maria Inês, a cunhada solteirona e antiquada (Suzy Arruda); Afonso, o sogro aposentado, que perambula pela casa numa cadeira de rodas, criticando tudo e todos (Rodolfo Arena); Carlinhos, o filho mais velho, garotão de Ipanema, que jamais enfrentou qualquer problema na vida (o saudoso Marcos Paulo); Vanda, a filha de 17 anos, que começa a sentir o problema da afirmação pessoal (Rose di Primo); e Kiko, de 14 anos, ainda completamente inconsequente (o cantor Marcello). O filme é baseado na peça teatral “Copacabana S/A”, de Jota Gama. Financiado parcialmente pela Embrafilme, o filme contou com produção executiva de ninguém menos do que Mozael Silveira – este intrépido mártir do cinema popular –, agregado do clã Faria (responsável pela R.F.F. Produções Cinematográficas, Refefê). “Eu Transo... Ela Transa” constrói uma pequenina crônica da família brasileira, quando os bifes do jantar eram consumidos no centro da mesa, os integrantes reunidos, mas já se percebia o dilúvio dessa fragmentação que teimou em crescer. Um filme delicioso de se ver e curtir!! Merece ser conferido!!





terça-feira, 15 de novembro de 2016

O REGRESSO (The Revenant) EUA, 2015 – Direção Alejandro González Iñárritu – elenco: Leonardo Di Caprio, Tom Hardy, Domhnall Gleeson, Will Poulter, Forrest Goodluck, Lukas Haas, Paul Anderson, Brendan Fletcher, Robert Moloney, Arthur RedCloud, Joshua Burge, Christopher Rosamond, Fabrice Adde – 156 min
                UM VERDADEIRO EXERCÍCIO DE CONTEMPLAÇÃO!!!!

O diretor Alejandro Iñárritu apresenta uma de suas obras mais audaciosas e impactantes. Seu cinema sempre foi selvagem e visceral, basta lembrar de suas obras anteriores. Aqui em O REGRESSO (The Revenant) é essencial notar como nada é mais brutal do que o próprio ecossistema natural. O homem, nesse mundo, é um mero carro desgovernado à mercê do clima, de outros animais e, porque não, de sua própria espécie, facilmente sem um papel em um mundo vasto e perigoso. Este grande filme conta a história do caçador de peles, Hugh Glass (Leonardo DiCaprio), por volta de 1820, que estava trabalhando com um grupo de caçadores de peles do Forte Kiowa, localizado perto do Rio Missouri, no atual Estado de Dakota do Sul, comandado pelo capitão Andrew Henry (Domhnall Gleeson). Glass parece ter se integrado bem aos índios Pawnee, tendo inclusive uma mulher e um filho, Hawk (Forrest Goodluck). Ao retornarem da última caça, o grupo liderado por Henry acaba sendo atacado por índios Arikara. Eles querem o carregamento de peles. Os sobreviventes do ataque conseguem fugir subindo no barco com alguns dos fardos do carregamento. Porém, Glass aconselha ao capitão para abandonarem o barco antes que fossem emboscados pelos índios. Um dos integrantes, Fitzgerald (Tom Hardy), que já não ia com a cara de Glass, não gosta nada dessa ideia.

Visceral, o filme não poupa o público de sua selvageria. São muitos cortes explícitos, dedos arrancados, flechadas certeiras e machucados mortais. Um dos grandes trunfos de O REGRESSO é transformar todo esse martírio em poesia. Há muito lirismo e a beleza estética como cinematografia é esplendorosa. Iñárritu é um cineasta autoral e o seu fotógrafo, Emannuel Lubezki, sempre testa seus próprios limites. Com isso, a obra é recheada de planos-sequência já característicos dos nomes envolvidos que agregam valor artístico à obra. O combate inicial, em especial, chama a atenção pelo nível técnico e pela perfeita execução de dias e mais dias de exaustivos ensaios. Filmes que se exigem tanto assim e se esforçam para sair do lugar comum merecem ser vistos com muita atenção. A proposta do diretor de fotografia, Emmanuel Lubezki é a mais clara possível: o realismo pelo realismo. Eis que assim surge uma das experiências mais audaciosas da cinematografia: gravar o filme inteiro apenas com luz natural. Tem-se apenas o domínio do homem sobre a câmera e a técnica cinematográfica. Esse fator foi um dos mais importantes para tornar a fotografia do filme em algo magnífico.

Leonardo Di Caprio com certeza mereceu o Oscar de Melhor Ator do ano, mas acredito que ele ganhou também pelo alto padrão que vem apresentando em diversos outros filmes. Na verdade, foi um prêmio de reconhecimento pelo conjunto de sua obra. Mas há que se destacar que ele é o fio condutor da produção e entrega uma performance inesquecível e absolutamente estupenda. Tom Hardy, que desponta cada vez mais como um ator de alto nível, é muito mais do que apenas o vilão. Trata-se de um homem complexo, com medos e objetivos. Ele complementa o personagem de forma assustadora como se tivesse nascido para o papel. Fora que é um personagem frustrado e recalcado com Glass por não assumir o protagonismo que almeja dentro do grupo. Além de Leonardo DiCaprio e Tom Hardy, há performances excelentes de Domhnall Gleeson e Will Poulter, que encarnam os melancólicos Andrew Henry e Jim Bridger, que surgem com atuações intensas e bem desenvolvidas. 


O REGRESSO é um dos grandes filmes lançados em 2016, um trabalho subjetivo, um verdadeiro exercício de contemplação que tenta provocar uma experiência cinematográfica impactante e extraordinária. Sobre o lado selvagem irracional inerente à nossa violenta existência, é uma obra ainda mais radical sobre o homem, sua luta para sobreviver e seu desejo por vingança. Trata-se da selvageria indomável da natureza do ser. A luta pela sobrevivência é parte importante da história, mas não mais importante que a poesia visual. O espectador é confrontado com cenas absolutamente brutais e muito realistas, mas o que fica mesmo é o belo e o arrebatador. Em 1971, essa fantástica história de sobrevivência e vingança originou o filme FÚRIA SELVAGEM (A Man in the Wilderness), com Richard Harris. O REGRESSO tem momentos notáveis, como a neutralidade da natureza, bela e implacável, com árvores filmadas a partir do solo, distantes como deuses. O mundo é quase amoral, reduzido a instintos primários, muita violência, e um ambiente onde todos são lobos de todos. É um dos mais belos filmes dos últimos dez anos. É um filme que nasce da dimensão trágica e banal da existência; é uma obra tensa, arrebatadora e deslumbrante, que traz uma atuação poderosa de um dos maiores e mais importantes atores da atualidade.

domingo, 13 de novembro de 2016


A GAROTA DINAMARQUESA (The Danish Girl) Inglaterra / EUA / Bélgica / Dinamarca / Alemanha, 2015 – Direção Tom Hooper – elenco: Eddie Redmayne, Alicia Vikander, Ben Whishaw,  Amber Heard, Tusse Silberg, Adrian Schiller, Henry Pettigrew – 119 min

         ENCONTRE A CORAGEM PARA SER VOCÊ MESMO!!!!



O diretor Tom Hooper escala dois grandes atores, ambos justamente indicados ao Oscar 2016, para eternizar essa história arrebatadora. O britânico Eddie Redmayne (que ganhou o prêmio em 2015 por interpretar Stephen Hawking em "A Teoria de Tudo") e a sueca Alicia Vikander (que concorre a melhor atriz coadjuvante) dominam as nuances dos personagens. Existe uma mensagem de aceitação (e autoaceitação) no filme, que é atual e importante, já que o maior debate sobre a transexualidade hoje não significa que os preconceitos estejam perto de serem erradicados. Os dois protagonistas conseguem elevar o filme para além de impecáveis intenções, dando uma face humana a uma questão política. É preciso dizer que "A Garota Dinamarquesa" sofre de bipolaridade estética. Como o mundo não avançou tanto em um século, o filme pode ser considerado transgressor no conteúdo mas, na forma, é conservador. 


O filme desenvolve seu roteiro em uma Dinamarca cinzenta e nublada, onde acompanhamos as interações do casal de pintores Einar e Gerda Wegener. Eles são unidos e demonstram ter uma relação de companheirismo fundamental para os rumos que a vida dos dois tomará ao longo da projeção. Ao pintar um quadro de uma bailarina, Gerda pede que seu marido sirva de modelo e calce sapatilhas, coloque meia calça e segure sobre seu corpo um vestido branco. Naquele momento acontece uma catarse na vida de Einar. Ao se projetar como aquela bailarina do quadro, se conecta instantaneamente com uma persona adormecida da sua personalidade / sexualidade, Lili Elbe. A partir dali, assistimos à desconstrução de Einar e a transformação em Lili. O trabalho estupendo de Eddie Redmayne é de uma complexidade ímpar. Aos poucos vamos acostumando com a persona de Lili e esta transição é feita de maneira tão tocante que conseguimos enxergar todos os traços e trejeitos femininos impressos naquele corpo que rejeita a forma em que nasceu.


É uma história ousada para qualquer época, e o roteiro de Lucinda Coxon, adaptando aqui o livro de David Ebershoff, é bem sucinto ao comportar toda a transformação e redescobrimento do protagonista. A relação de Einar/Lili com Gerda é a mais bem trabalhada aqui, já que a pintora evidentemente não se sente confortável com a repentina mudança na vida de seu marido, mas não deixa de se divertir com o início da “brincadeira” ou pelo fato de que Lili é a modelo responsável para alavancar sua reputação no meio artístico. Eddie Remayne não levou o Oscar de Melhor Ator, especialmente por ser o ano consecutivo ao que ganhou por sua esplêndida atuação como Stephen Halking em “A Teoria de Tudo”. No entanto, não deixa de ser incrível um ator relativamente novo no show business entregar duas performances arrebatadoras em dois anos seguidos. A Garota Dinamarquesa é um dos melhores filmes do ano e merece ser celebrado como um filme corajoso que aborda um tema com bastante sensibilidade sem nunca soar ridículo ou caricato. Baseado em uma história real, merece ser conferido e aplaudido. Obrigatório, belo e tocante!!!!

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

SUÍTE FRANCESA (Suite Française) Inglaterra / França / Canadá / Bélgica, 2014 – Direção Saul Dibb – elenco: Michelle Williams, Kristin Scott Thomas, Matthias Schoenaerts, Margot Robbie, Sam Riley, Eric Godon, Lambert Wilson, Deborah Findlay, Ruth Wilson, Vincent Doms, Simon Dutton – 107 min

                 UM DOS MOMENTOS MAIS TRISTES DA HUMANIDADE!!!!


A trama se passa numa pequena cidade francesa – em que todos os habitantes falam inglês -, que é invadida por tropas alemãs pouco depois da tomada de Paris pelo exército de Hitler. Lucille (Michelle Williams) é uma mulher que vive com a sogra, Madame Angellier (Kristin Scott Thomas), enquanto o marido luta na guerra. As duas vivem confortavelmente e parecem alheias à realidade do conflito. Tudo muda com a chegada de franceses fugidos de Paris e fica ainda pior quando tropas alemãs invadem o vilarejo. As principais residências do local acabam obrigadas a abrigar soldados inimigos. É quando Lucille e Madame Angellier são obrigadas a acolher Bruno von Falk (Matthias Schoenaerts). Com o tempo, Lucille, que havia casado obrigada pelos pais, começa a se interessar por Bruno, que se revela incomodada com certas atitudes do exército alemão. 


Os acontecimentos da Segunda Guerra Mundial afetaram a vida de dezenas de milhões de pessoas. Muitas perderam parentes queridos, como pais, filhos e cônjuges. Diversas histórias de dor e sofrimento são até hoje reveladas pelos descendentes dos que morreram em campos de batalha e/ou concentração. Mas, também, histórias de amor acabaram surgindo num dos momentos mais tristes da Humanidade. O filme Suíte Francesa conta uma dessas histórias em meio à carnificina que se avolumava. Com uma produção de época impecável e maravilhosa, o espectador com certeza se sentirá em uma cidade no interior da França durante a época da Segunda Guerra. O diretor de arte Michael Carlin está de parabéns, porque os detalhes fazem toda a diferença em um filme deste tipo, e ele conseguiu dar uma uniformidade ao longa. Michael já tinha trabalhado com o diretor do filme, o britânico Saul Dibb, em “A Duquesa” (2008). A fotografia do diretor de fotografia, o espanhol Eduard Grau, é outro caso à parte. Ele consegue trazer à tona os diferentes conflitos existentes em uma pequena cidade ocupada entre sua população e os militares que ocupam a localização. Ele posiciona as câmeras de maneira que possa mostrar cada aspecto relevante desses vários conflitos. Um deles é entre a consciência e os sentimentos. UM FILME SENSÍVEL E BELO!! MERECE SER VISTO!!


quinta-feira, 10 de novembro de 2016

(500) DIAS COM ELA (500 Days of Summer) EUA, 2009 – Direção de Marc Webb – Elenco: Zooey Deschanel, Joseph Gordon-Levitt, Geoffrey Arend, Chloë Grace Moretz, Matthew Gray Gubler, Minka Kelly – 95 minutos

A NOVA DEFINIÇÃO DO QUE SE CONSTITUEM RELACIONAMENTOS HOJE EM DIA


Este é um filme romântico, mas não é um filme romântico como os outros. Houve quem dissesse que ele é um típico “chick flick” (termo utilizado para definir filmes que têm como público-alvo as mulheres), mas isso é pura besteira, e essa pequena grande obra-prima não se encaixa nesse rótulo preconceituoso. Em sua estreia como diretor de longa-metragem após vasta experiência com videoclipes, Marc Webb brinca com os clichês do gênero, invertendo situações e personagens, aproximando o espectador dos dramas vividos por Tom Hansen (Joseph Gordon-Levitt). Ele toca seus dias sem muitas cores, trabalhando numa empresa que cria cartões comemorativos, aqueles que distribuímos no Natal e nos aniversários. Quando ele descobre a colega de trabalho Summer (Zooey Deschanel), acredita que é a mulher perfeita para ele.


Tom é o tipo de pessoa que cresceu ouvindo músicas e vendo filmes de amor, supervalorizando o sentimento. Quando descobre que tem uma colega de trabalho fã de Smiths, projeta nela todas as suas expectativas afetivas. Quando normalmente é a mulher quem idealiza o amor – pelo menos nos filmes do gênero -, em (500) DIAS COM ELA é o personagem masculino que carrega esse estigma. Summer, por sua vez, nunca esconde a falta de crença em relação ao amor, fruto de um lar desfeito ainda na infância. Claro que uma relação entre dois personagens com expectativas tão opostas nunca dará certo (pelo menos em tese), fato já revelado nos primeiros minutos. Além de reverter os papéis no quesito “expectativas”, o diretor também apresenta uma narrativa entrecortada por animações, dividindo em dias a relação entre Tom e Summer. Transitando entre o fim e o início da relação em ordem não-cronológica, (500) DIAS COM ELA apresenta um retrato mais honesto e sincero sobre o amor do que a maioria das produções do gênero. Tom idealiza o amor e não é assim que as coisas são, o que aprendemos depois de alguns relacionamentos desfeitos e dezenas de paixões não-correspondidas. Mas o filme não chega a apontar erros, mas apresenta, de uma forma honesta e clara, como uma separação, principalmente, é superestimada.


O roteiro, escrito por Scott Neustadter e Michael H. Weber, valoriza os diálogos rápidos e divertidos, repletos de referências tanto ao mundo pop quanto ao universo dos amores desfeitos. São valores universais e, por isso, (500) DIAS COM ELA sai do universo “chick flick” para conquistar um público maior. Esse belíssimo drama é uma espécie de antídoto, um verdadeiro lembrete da realidade, aquela que o ser humano sofre, mas supera e segue em frente. É um dos bons exemplares de filmes que garantem a sustentação e perpetuação do bom cinema. É uma verdadeira lição e representação da vida. É a nova definição do que se constituem relacionamentos hoje em dia; relacionamentos maduros de pessoas não-superficiais. É DEFINITIVAMENTE A GRANDE SURPRESA DOS ÚLTIMOS DEZ ANOS!!  UM DOS GRANDES FILMES DO CINEMA!!

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

O FILHO DE SAUL (Saul Fia) Hungria, 2015 – Direção László Nemes – elenco: Géza Röhrig, Levente Molnár, Urs Rechn, Todd Charmont, Jerzy Walczak, Gergö Farkas, Balázs Farkas, Sándor Zsótér, Marcin Czarnik, Levente Orbán, Attila Fritz, Mihály Kormos – 105 min

                            À PROCURA DE UM DEUS NO INFERNO

Um dos filmes mais perturbadores dos últimos anos traz uma vasta bagagem de debates e polêmicas, que remontam ao próprio advento do cinema moderno, à história da crítica cinematográfica e ao debate entre ética e estética que tem marcado filmes realizados a partir do pós-Guerra. “A Lista de Schindler” (1993); “O Resgate do Soldado Ryan (1998); “O Diário de Anne Frank” (1959); “Uma Batalha no Inferno” (1965); “Patton, Rebelde ou Herói?” (1970); “O Pianista” (2002); “Além da Linha Vermelha” (1998); “Cartas de Iwo Jima” (2006); “O Círculo de Fogo” (2001); “Corações de Ferro” (2014); “A Ponte do Rio Kwai” (1957); “O Mais Longo dos Dias” (1962); “Tora! Tora! Tora!” (1970); “Fugindo do Inferno” (1963); “Uma Ponte Longe Demais” (1977); “Suíte Francesa” (2014); “A Queda: As Últimas Horas de Hitler” (2004), esses e muitos outros já contaram os horrores da Segunda Guerra Mundial de diversos ângulos. Mas o que explica um diretor estreante se debruçar mais uma vez sobre o tema, realizando-o de uma forma muito pesada, ganhar todos os prêmios importantes?? O FILHO DE SAUL ganhou o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes, foi vencedor do Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro e ainda arrebatou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2016. Existem quatro bons motivos que podem explicar:

1) é uma história universal - a questão em jogo no filme é reencontrar nem que seja um fio de dignidade quando todo o resto, até sua vida, já lhe foi tirado. Por isso, não importa nacionalidade, etnia, idade, o filme encontra e fisga seu espectador;

2) espectador dentro da cena - o diretor optou por um formato de tela reduzido, o que de cara já causa claustrofobia no espectador. A câmera na mão fica o tempo todo grudada no rosto ou nas costas do protagonista. Ao limitar o enquadramento, o horror que se passa naquele local não é escancarado. Ele está sempre na borda da imagem e na imaginação de quem o vê, o que pode fazer com que o horror seja ainda maior;

3) é sobre o Holocausto - o perfil da esmagadora maioria dos votantes da Academia gosta de filmes sobre a Segunda Guerra Mundial, e esse tema quase sempre pega bem por lá;

4) premiado em Cannes, no Globo de Ouro e no Oscar 2016 - não que a Academia de Hollywood costuma seguir tendências, porque há sempre uma surpresa pelo caminho, mas O FILHO DE SAUL por onde passa vem ganhando muitos prêmios. Até na Mostra de SP, em 2015, o filme foi a grande sensação. 


Mas o público que vai assistir a esse filme surpreendente tem que saber que vai ver um filme pesado, muito pesado. Ao final da sessão, ele não saberá se gostou ou não. Mas é essa mesmo a ideia: o drama húngaro propõe uma nova visão sobre o Holocausto, focando nos efeitos psicológicos do horror sobre um tipo específico de prisioneiro: aquele que, em troca de alguns meses a mais de vida, é obrigado a trabalhar na chacina contra o próprio povo. Existem dois elementos que incomodam muito no filme, mas que são essenciais para a narrativa. O primeiro é a câmera, que acompanha o protagonista o tempo todo num close exagerado, sobre seu ombro, como se fôssemos condenados a uma liberdade tão limitada quanto a sua. O segundo é o próprio Saul: com uma expressão vazia, ele anda de um lado a outro como uma máquina, seguindo ordens sem erguer os olhos e nem pronunciar uma palavra. Não existe trilha sonora no filme. Ele foi inteiramente rodado com lentes de 40mm. A câmera está quase a totalidade do tempo na mão, e cambaleia frenética por corredores escuros, sujos. Os planos-sequência são frequentes e o roteiro faz questão de jamais dar paz à plateia. Seja pelo formato de captura das imagens, pela adoção de um ponto de vista em “primeira pessoa” ou pelo trabalho da equipe de som para fazer ouvir o desespero, fato é que poucas vezes um filme sobre a Segunda Guerra Mundial foi capaz de arrancar o espectador de onde ele está e o carregar para dentro da tela. Em O FILHO DE SAUL, a tragédia coletiva e a loucura pessoal assumem ares de parábola bíblica. É o reconhecimento do filho – símbolo de continuidade e transcendência, mesmo que morto – aquilo que permite a Saul estabelecer algum laço singular com a vida, em uma situação em que toda singularidade fora anulada. Poderoso e assustador, é um filme que vai entrar para a História como um dos mais cruéis relatos de um campo de concentração nazista durante a Segunda Guerra Mundial. 

domingo, 6 de novembro de 2016

AQUARIUS – Brasil, 2016 – Direção Kleber Mendonça Filho – elenco: Sonia Braga, Maeve Jinkings, Irandhir Santos, Humberto Carrão, Barbara Colen, Thaia Perez (tia Lucia 1980), Fernando Teixeira, Daniel Porpino, Buda Lira, Zoraide Coleto, Paula de Renor, Pedro Queiróz, Carla Ribas, Julia Bernat, Arly Arnaud, Leo Wainer, Lula Terra, Allan Souza Lima, Valdeci Junior, Clarissa Pinheiro, Rubens Santos, Bruno Goya, Andrea Rosa, Joana Gatis (Tia Lucia 1940), Tavinho Teixeira, Amanda Gabriel, Fábio Leal – 142 minutos

   UM ELOGIO À RESISTÊNCIA, MESMO QUANDO A CAUSA ESTÁ PERDIDA!!!! 


Temos aqui um filme bastante maduro e notável, com uma protagonista complexa e forte, um elenco de apoio impecável e inspiradíssimo e um roteiro muito bem costurado, com excelentes diálogos e inteligentemente apresentado. O cineasta Kleber Mendonça Filho faz com maestria aqui o que pretendia ter feito com O SOM AO REDOR (2012), um mosaico de emoções que flertam com o terror, o suspense, as relações humanas em diversos níveis afetivos e de poder. Destaque para a bela trilha sonora, contendo Ave Sangria, Gilberto Gil, Mateus Alves, Maria Bethânia, Reginaldo Rossi, Queen, Roberto Carlos e Taiguara. Consciente desta nossa época em que o novo é glorificado e o velho deixado de lado por muitos, o diretor fez deste o mote principal do filme. 


O confronto entre o velho e o novo surge na figura de Clara (Sonia Braga, em uma interpretação de tirar o fôlego, ao mesmo intensa e suave). Ela é uma jornalista e crítica de música aposentada que vive no velho Edifício Aquarius, de frente para a Praia de Boa Viagem, em Recife – Pernambuco. Ela é a dona de um apartamento muito cobiçado por uma imobiliária, que já adquiriu todos os demais imóveis do prédio. O objetivo é pôr tudo abaixo e construir um novo, mas Clara se recusa a vendê-lo. É seu lar há décadas, foi onde criou seus filhos e, ainda hoje, vive bem.  É uma mulher que tem dificuldade de se desapegar desse seu refúgio. Sua rotina, envolta em seus objetos retrôs, junto a empregada doméstica e uma aventura aqui e acolá, passa a ser perturbada pelo jovem Diego (Humberto Carrão, em um excelente personagem passivo-agressivo), que decide liderar a construção desse novo empreendimento. Mas à medida que o filme transcorre, percebe-se o quanto Clara finca cada vez mais suas raízes em seu reduto. Ela não amolece, não desiste ou se deixa seduzir por qualquer investida oferecida pela construtora. Nessa linha de visão, o espectador poderá discutir sobre memória familiar e urbana, modernização das cidades, relação nem sempre harmônica entre público e privado e sobre temas existenciais e humanistas que movem cada um a agir com base em suas paixões e desejos, dentro de determinadas circunstâncias. 


Mais do que simplesmente criar opostos, AQUARIUS quer tratar do valor da memória através da compreensão do que é antigo, sem que seja necessário descartar o novo. Tal imagem está representada na própria protagonista, escolhida a dedo. Estrela maior do cinema brasileiro nas décadas de 1970 e 1980, Sonia Braga andava meio sumida. Seu resgate não é apenas uma imensa homenagem a tudo que fez pelo Cinema Nacional como também uma quebra de expectativa em relação ao que representou como símbolo sexual, potencializando o próprio conceito explorado pelo filme. Só que Sonia não se contenta apenas com este simbolismo automático e entrega uma das maiores atuações de sua carreira, fruto de uma complexidade emocional e ética impressionantes. Este grande filme é um tour de force para a carreira de Sonia Braga. 


Indiscutivelmente AQUARIUS é o melhor filme deste ano de 2016. É cinema de qualidade, uma verdadeira pérola no meio de tantas produções duvidosas brasileiras. É cinema que bebe no cinemão europeu, com simbolismos, pausas contemplativas nos diálogos e a carência de respostas muitas vezes. Além de tudo, a obra possui um tom humano e universal, e não é sempre que se vê isso em um filme brasileiro com alguma linha de ordem social e/ou política em seu enredo, tratando, ao mesmo tempo, das muitas formas de envelhecer, da feminilidade, dos pesadelos e pensamentos sobre o Patrimônio Histórico – em definição ampla – diante da intensa e atraente modernidade. O velho, o novo e o vir-a-ser de um imóvel e de algumas vidas são dissecados aqui. No todo, a obra trata de pessoas agindo para defender aquilo que acreditam ser certo. E é isso que faz do filme um dos melhores lançamentos dos últimos dez anos. É um belíssimo estudo sobre o Brasil atual e suas idiossincrasias, apontadas com olhar clínico pelo diretor, muitas vezes de forma bastante política. O melhor exemplo é a discussão ocorrida sobre a falta de caráter humano, de uma importância abissal para a própria vida e que poderia ser facilmente encaixada em vários outros absurdos cotidianos do nosso país. AQUARIUS é um filme brilhante, um elogio à resistência, mesmo quando a causa está perdida!! Um filme de alta voltagem política, em sua expressão mais ampla!! UM DOS DEZ MELHORES FILMES DA DÉCADA!!!! 

sábado, 5 de novembro de 2016

OS OITO ODIADOS (The Hateful Eight) EUA, 2015 – Direção Quentin Tarantino – elenco: Samuel L. Jackson, Kurt Russell, Jennifer Jason Leigh, Walton Goggins, Demián Bichir, Tim Roth, Michael Madsen, Bruce Dern – 187 minutos

      TARANTINO PERMANECE UM EXÍMIO MANIPULADOR DE SENSAÇÕES


Antes de mais nada, OS OITO ODIADOS, o oitavo filme do cineasta Quentin Tarantino, é uma revisita a tudo o que esse brilhante diretor fez e também a suas referências. Ele mostra, assim, que não procura adentrar novo território e sim afinar suas ferramentas narrativas. Durante uma nevasca, o carrasco John Ruth (Kurt Russell) está transportando uma prisioneira, a famosa Daisy Domergue (Jennifer Jason Leigh, na atuação mais luminosa de sua carreira), que ele espera trocar por grande quantia de dinheiro. No caminho, os viajantes aceitam transportar o caçador de recompensas Marquis Warren (Samuel L. Jackson, em estado de graça), que está de olho em outro tesouro, e o xerife Chris Mannix (Walton Goggins, mostrando ser um ator de ilimitadas ferramentas), prestes a ser empossado em sua cidade. Como as condições climáticas pioram, eles buscam abrigo no Armazém da Minnie, onde quatro outros desconhecidos estão abrigados: Bob, o mexicano (Demian Bichir); Oswaldo “The Little Man” Mobray (Tim Roth); Joe “The Cow Puncher” Gage (Michael Madsen) e Sanford Smithers, o Confederado (Bruce Dern).  Aos poucos, os oito viajantes no local começam a descobrir os segredos sangrentos uns dos outros, levando a um inevitável confronto entre eles. O ódio de cada um há de ser uma arma carregada de sagacidade, ou de fúria. 


Tarantino enclausura esses oito tipos sociais muito precisos dentro do pequeno armazém para assisti-los a se digladiarem. A composição do elenco que encarna esses oito odiados é brilhante, conforme acima exposto. O mecanismo perverso poderia soar artificial, mas funciona porque nenhum dos personagens possui mais voz do que o outro, e nenhum corresponde ao ideal do herói – como era o ex-escravo de DJANGO LIVRE. O espectador observa o ringue à distância, sem ter para quem torcer. Nos primeiros 80 minutos o filme é lento, mas em seguida sofre uma transformação brutal e excelente com a entrada do próprio Tarantino, que além de ser diretor e roteirista, também faz as vezes de narrador, comentando as numerosas reviravoltas. Ao longo de sua filmografia, o cineasta desenvolveu uma persona tão talentosa quanto histriônica, sempre a um passo de canibalizar as próprias histórias. Neste caso, ele se introduz na trama, faz citações às suas obras - partes do clímax constituem referências diretas a BASTARDOS INGLÓRIOS (2009) e CÃES DE ALUGUEL (1992), utiliza seus atores-fetiche de modo a espelhar os papéis deles em filmes anteriores do autor. É inegável que Tarantino vem construindo um universo cinematográfico homogêneo e de alta qualidade.


Embalado pela trilha vencedora do Oscar 2016 do veterano compositor italiano Ennio Morricone, que colabora com ele pela primeira vez, o diretor estica ao máximo a expectativa da tragédia iminente. Como sempre, ele aposta muito nos diálogos provocativos, que vão delimitando o terreno dos duelos que se espera a qualquer momento que vão ser assumidos pelos muitos revólveres à disposição. A trilha de Morricone, curiosamente criada antes de o compositor ver uma imagem sequer, reforça a aparência de terror, com o tema tenso, em cordas, se intensificando rumo ao clímax catártico. Numa espécie de ressaca pela descrença na autorregeneração dos homens, OS OITO ODIADOS parece vir inaugurar uma terceira margem na trajetória de Tarantino, menos antropológica do que a de seus primeiros gângsters fãs de Royale With Cheese, menos sociológica do que a seus nazistas poliglotas. Agora, neste western invernal, a política é o indivíduo, a ideologia é o verbo lucrar, a esperança é um ganho congelado e a palavra “herói” é um sujeito oculto. Assim, este grande filme efetua um retrato da pluralidade social americana. A provocação a Abraham Lincoln (a carta escrita pelo presidente) constitui a cereja no bolo deste retrato da América selvagem entre quatro paredes. A filmagem em 70mm coroa a ironia criativa do projeto: Tarantino desejava ter a maior dimensão imagética possível para retratar um lugar pequeno, obtendo um efeito ao mesmo tempo íntimo e abrangente, minimalista e épico.

         NINGUÉM VAI A UM LUGAR SEM UM MALDITO DE UM BOM MOTIVO


sexta-feira, 4 de novembro de 2016

P. S. EU TE AMO (P. S. I Love You) EUA, 2007 – Direção Richard LaGravenese – elenco: Hilary Swank, Gerard Butler, Kathy Bates, Lisa Kudrow, Gina Gershon, Harry Connick Jr., Jeffrey Dean Morgan, James Marsters, Nellie McKay, Dean Winters, Michael Countryman – 126 minutos
                          
                                    EXISTEM AMORES QUE DURAM MAIS QUE UMA VIDA 


                       UM FILME PARA TODOS AQUELES QUE AINDA ACREDITAM NO AMOR  


Holly (Hilary Swank) é uma mulher linda e inteligente, casada com o amor da sua vida – um irlandês engraçado e impetuoso chamado Gerry (Gerard Butler). Quando Gerry perde a vida devido a uma doença, a vida de Holly desmorona. A boa notícia é que ele deixou tudo planejado. Antes de morrer, Gerry escreveu várias cartas que irão guiá-la, não apenas por sua dor, mas também por sua redescoberta, embora a mãe de Holly (Kathy Bates) e suas melhores amigas, Denise (Lisa Kudrow) e Sharon (Gina Gershon), temam que essas cartas a estejam prendendo ao passado. Com as palavras de Gerry como guia, Holly embarca em uma jornada de redescoberta tocante, excitante e por vezes engraçada, em uma história sobre casamento, amizade e sobre como um amor tão intenso pode tornar a finitude da morte no início de uma nova vida. 


Baseado no best-seller de Cecelia Ahern, este filme romântico foge do lugar comum ao construir um melodrama sensível. Nesta história não se vê o início de um amor, mas a persistência dele após a morte. O diretor e roteirista Richard LaGravenese junto com Steven Rogers conseguem criar uma trama de qualidade, com coesão e bem atraente, onde tudo se encaixa. Merece destaque o excelente entrosamento dos atores, entre eles, a brilhante performance de Hilary Swank, que vem de papéis muito fortes e trágicos como MENINA DE OURO (2004) e MENINOS NÃO CHORAM (1999); Gerard Butler, de 300 (2006), INVASÃO À CASA BRANCA (2013), CÓDIGO DE CONDUTA (2009), DEUSES DO EGITO (2016) etc; Kathy Bates, que sempre compõe performances impecáveis, basta lembrar de TOMATES VERDES FRITOS (1991), TITANIC (1997), FOI APENAS UM SONHO (2008), LOUCA OBSESSÃO (1990), MEIA-NOITE EM PARIS (2011) etc; além de Harry Connick Jr., Lisa Kudrow, Gina Gershon e Jeffrey Dean Morgan. Todos encarnando personagens simples, próximos da realidade do espectador, com muita competência e brilho.  



O tema principal do filme, com certeza é o amor. Apesar de parecer um filme sobre o questionamento da morte, mas a presença do falecido através de suas cartas é que se impõe e se torna o centro da trama. São as cartas que devolvem a vida à personagem central – Holly – que tinha se entregue à depressão. Elas nos conduzem em um jogo de passado e presente, com um roteiro bastante feliz. A direção competente de LaGravenese possui sutilezas interessantes e inolvidáveis, mas quando a história voa para a Irlanda, toda a beleza das paisagens do país são exploradas em um tour muito especial. A fotografia é realmente muito competente e inesquecivelmente bela. Há que se citar a trilha sonora impecável e prazeirosa. Enfim, o que poderia ser um dramalhão barato, chato e piegas, apresenta-se como um surpreendente drama com vários momentos hilariantes que contrabalanceiam bem os risos e as lágrimas. Merece ser visto!!!!