SÃO
PAULO EM HI-FI – Brasil, 2016 – Direção Lufe Steffen – Documentário – com a
participação de Elisa Mascaro, Celso Curi, João Silvério Trevisan, Kaká Di
Polly, Darby Daniel, o jornalista Mario Mendes, Miss Biá, Sérgio Moreira (Manon),
Adelson Moreira, Beto de Jesus, James Green, Leão Lobo, Greta Starr, Samuel de
Oliveira, Laura Bacellar, Fátima Tassinari, Eddie Benjamin, Danilo Blitz, Gil
Veloso, Lula Ramires, José Victor, Franco Reinaudo, Rita Moreira, Paulo Reis - 101 minutos
UM
FILME IMPERDÍVEL PARA BALADEIROS DE TODAS AS GERAÇÕES
Imagine um
elefante descendo a Rua Augusta, coração boêmio de São Paulo, com a Wilza Carla
em cima. Rumo a uma casa noturna em que o brilho dos holofotes se confundia com
o dos vestidos longos das transformistas — na época, ninguém usava o termo
'drag queen'. Essa é uma das cenas hilárias descritas pelos personagens de SÃO
PAULO EM HI-FI, filme que vale cada centavo do valor do ingresso
para ver na tela uma aula sobre a noite gay no mais importante polo de baladas
do país. Exibido
no Festival Mix Brasil 2013, o documentário apresenta histórias das noites gays
em São Paulo nas décadas de 1960, 1970 e 1980, período que foi marcado por
fases tão distintas como o glamour, o exagero e a liberação sexual,
personificadas por figuras como Ney Matogrosso, Dzi Croquettes David Bowie etc.
Fazendo uma viagem ao passado, os personagens mostram as histórias das
dançarinas e transformistas que se apresentavam nas famosas casas noturnas
(Medieval, Homo Sapiens, Corintho, Nostro Mundo etc), que marcaram época e tudo
o que elas tiveram que passar, como a imposição da ditadura e a famosa explosão
da Aids, que marginalizou a comunidade gay de uma maneira muito triste e cruel. Dirigido
por Lufe Steffen, o público é levado pelas mãos com os relatos de gente que
testemunhou nascimento e morte de casas lendárias de uma São Paulo que,
infelizmente, não existe mais. Entre esses nomes ilustres da noite de outrora
estão Elisa Mascaro, empresária que foi dona, dentre outros estabelecimentos,
da Medieval e da Corintho, e o jornalista Celso Curi. A Medieval, criada em
1971, recebia plateias de ricaços de todas as orientações sexuais para ver os
shows das travestis. Chiquinho Scarpa era um deles e, se o espetáculo já
tivesse começado quando ele e seus amigos chegassem, pagava o cachê dos
artistas para começarem tudo de novo.
O rol de
entrevistados contém protagonistas de grandes momentos, como Darby Daniel, que
chegou a uma noitada vestida de Branca de Neve, num caixão de vidro, carregado
por sete anões. Através dessa volta
emotiva ao passado, o filme é um estudo social e cultural extremamente
impressionante do que foi o auge de uma liberdade em todos os sentidos, em
plena era de ditadura militar. Através de depoimentos de ícones do período retratado o diretor,
produtor e roteirista Lufe Steffen, mescla as lembranças narradas pelos
entrevistados com raríssimos registros de performances das grandes casas
noturnas gays das décadas apresentadas e essas performances em geral são como
se fossem uma vinheta para os comentários que vão surgindo, ou seja, Steffen
conecta os depoimentos num formato que parece um grande conto com pausas
musicais sobre o tema e as histórias desses personagens são narradas de forma
linear. Começamos conhecendo uma que talvez seja a primeira transformista de
São Paulo e vamos até o auge da AIDS, que interrompe uma trajetória de
conquistas do movimento gay que começava a se tornar forte e representativa na
cidade. Por falar nisso, esse documentário é uma obra importante já que o
cinema também tem o papel de eternizar personagens ou momentos que foram
fundamentais para conquistas atuais, algo que o cinema norte-americano, já faz
a um bom tempo.
Apesar de em alguns momentos o documentário sugerir um tom melancólico e
saudosista do passado, ele reforça o porquê o termo gay é sinônimo de alegre,
afinal, os personagens que são entrevistados mostram o carinho e ao mesmo tempo
uma felicidade indescritível de ter vivido esse capitulo de nossa história e de
muitos serem pioneiros em muitas conquistas até hoje aproveitadas por todos. Para
quem acompanha a atual cena gay internacional, precisamente um recorte do
famoso reality RuPaul’s Drag Race, vai ficar impressionado com a vanguarda
noite de São Paulo apresentada. O programa norte-americano fica “minúsculo”
diante do que aconteceu na cidade, não é exagero, é quase surreal o que
acontecia nas ruas do centro da cidade e também nas famosas e históricas
pioneiras casas noturnas. SÃO PAULO EM HI-FI é um documentário fundamental para
quem gosta de história, seja qual for sua orientação sexual, é daquelas obras
necessárias, já que nos faz refletir sobre o presente e o que podemos esperar
do futuro em âmbito social, cultural e sexual. O documentário
é mais do que uma sucessão de 'causos'. É o resgate de uma época, uma homenagem
a gente que tinha como ofício a arte de brilhar. "Muita gente das
novas gerações não conhece o que aconteceu. E o pessoal mais velho se sente
lisonjeado, imortalizado", comenta o diretor. Além de um
importante registro histórico da comunidade LGBT paulistana, SÃO
PAULO EM HI-FI é
um interessante recorte da história da cidade. De uma época em que o glamour,
o sonho e a fantasia, pelo menos no mundo gay, eram realidade.
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