quarta-feira, 25 de janeiro de 2012
TOLERÂNCIA ZERO (The Believer) EUA, 2001
UM DOS FILMES MAIS PERTURBADORES DA HISTÓRIA DO CINEMA!!
TOLERÂNCIA ZERO (The Believer) EUA, 2001 – Direção Henry Bean – elenco: Ryan Gosling, Summer Phoenix, Billy Zane, Theresa Russell, Glenn Fitzgerald, Joshua Harto, Judah Lazarus – 100 minutos.
Na época do seu lançamento, o filme foi marqueteado como a história de um judeu nazista, mas o resultado supera com folga a publicidade. Seu protagonista não é uma aberração patológica, histórica e cultural por, como nos sugere sua aparente esquizofrenia, viver a traumática fissura entre origem e opção. Estudante da Torá na adolescência, Danny Balint (Ryan Gosling), é líder de uma gangue de skinheads. Veste uma camiseta estampada com uma suástica, espanca judeus pelas ruas e colabora com uma organização fascista. Embora entre em cena com olhar de psicopata e beicinho de monstro adestrado pela Gestapo, o personagem vai sendo relativizado até o ponto de expor os meandros de sua linha de raciocínio. Acompanhando os movimentos de sua mente, mas também a inclusão de flash-backs (alguns deles diluidores da carga dramática), conhecemos as razões de sua ruptura com o judaísmo. Basicamente, é teológica. Ele rejeita a visão de um Deus cujo poder é sobretudo opressor. Apóia-se na passagem bíblica em que, para revelar sua onipotência, o Criador pede a Abraão o sacríficio do filho, Isaac. Não suporta a passividade de Abraão no episódio e não tolera a não reação dos judeus na Segunda Guerra Mundial.
A maioria dos críticos viu no filme apenas mais uma denúncia contra a intolerância, mas não é. Trata-se de um estudo sobre a similaridade de campos opostos em seus postulados hierarquizantes. Entre a raça pura pretendida por Hitler e a superioridade do "povo escolhido" não há diferença de fundamento. A história é toda baseada num fato verídico - um integrante judeu da Ku Klux Klan, que em 1967, em Nova York, matou-se um dia depois de ter sido desmascarado pelo The New York Times. Antes de rodar o filme, Henry Bean, o diretor, ensaiou-o em um curta em 16mm, Thousand, mas com outro elenco. Sabia estar diante de terreno explosivo e queria sentir-se preparado para pisar nele. Seu esforço e coragem foi premiado no Sundance Festival de 2001.
TOLERÂNCIA ZERO emprega uma textura visual granulada, um dos chavões estéticos dos filmes independentes da segunda metade dos anos 1990, pós Dogma 95, mas o faz de modo a potencializar o impacto narrativo. Está a serviço de um tema que, em seu desenvolvimento, jamais se torna plano. Não são poucas as arestas na trajetória pela mente e pelas ações de Balint. Ora parece um maluco para o qual não se deve dar nenhum crédito. Ora abre a boca para provocar ouvidos e cerébros. Em um das sequências, diz a executivos fascistas, embora com outras palavras: "Os judeus se fortalecem no sofrimento. Precisam ser perseguidos. Se Hitler não existisse, eles o criariam". A frase remete ao monólogo final de Kedma, de Amos Gitai, no qual se fala da força extraída da vitimização. Henry Bean evita julgar essa ou aquela postura de seu protagonista. Não faz nenhuma questão de reprová-lo ou legitimá-lo. Mantém-se distante, observador, mas não imparcial. Pois, ao fugir de uma visão unidimensional do personagem, faz sua escolha. O alvo não são os fascistas, e os coitadinhos não são os judeus. Um lado e outro se confundem pelo fundamentalismo. E se essa confusão não é esclarecida de forma didática isso só torna seu filme mais interessante para ser discutido.
TOLERÂNCIA ZERO é um filme verborrágico como poucos e corajoso também. Ao perfilar um protagonista perturbado mas extremamente talentoso, o longa acabou gerando enorme polêmica no meio cinematográfico norte-americano. Depois de ser exibido, no Festival de Sundance, em 2001, o trabalho gerou uma onda de protestos de cinéfilos que viam o filme como perigoso, pois poderia influenciar cabecinhas mais fracas por parecer, na superfície, um libelo fascista. Mas só na superfície. A mensagem de “Tolerância Zero” é completamente oposta e, depois de muita batalha por parte dos realizadores, a obra acabou lançada comercialmente, quase um ano depois. É interessante perceber que ninguém jamais questionou a qualidade do filme de Henry Bean. “Tolerância Zero” venceu o prêmio do júri em Sundance, conseguiu uma vitória consagradora em várias categorias do Spirit Award (premiação importante do circuito independente nos EUA) e ganhou fartos elogios da crítica. Esses elogios, porém, sempre vinham acompanhados de advertências. Temia-se que o filme pudesse despertar uma onda de fúria anti-semita, por conta do discurso surpreendentemente bem articulado de Danny Balint.
Nada disso aconteceu, em parte porque o filme ficou muito tempo na geladeira. O canal a cabo Showtime o comprou e depois cancelou a exibição, após os atentados de 11 de setembro de 2001. A distribuição só aconteceu meses depois, em salas limitadas. Uma pena. Se mais crédito fosse dado ao longa-metragem, o público teria sido presenteado com um dos personagens mais bem construídos dos últimos tempos – e, por conseqüência, com um dos mergulhos mais profundos nos medos, desejos e hesitações de uma figura emblemática. Tudo isso faz de “Tolerância Zero” um filme excelente. Os momentos mais fascinantes são, sem dúvida, (além da interpretação soberba e excepcional de Ryan Gosling, defendendo o papel principal com uma ferocidade inesgotável), os longos discursos do rapaz. A trama do filme é pontual e secundária, já que interessa muito mais ao cineasta enfocar o conflito interno do protagonista e o diretor faz isso de maneira admirável. A trama também lembra muito outros dois grandes filmes imortais – CLUBE DA LUTA (1999) e A OUTRA HISTÓRIA AMERICANA (1998). A diferença entre esses dois filmes é que “Tolerância Zero” escolhe o caminho mais difícil e jamais escorrega para uma redenção pura e simples dos pecados do protagonista. Sim, isso acontece, mas de uma forma complexa e jamais maniqueísta, muito apropriada para o desenvolvimento da história. O enredo desemboca, aliás, num final ambíguo e muito original. São muitos predicados para um filme que serve tanto como lição de oratória quanto como libelo anti-racista. UM DOS MELHORES FILMES DA DÉCADA!! OBRIGATÓRIO!!
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