segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012
CAVALO DE GUERRA (War Horse) EUA, 2011
SEPARADOS PELA GUERRA! TESTADOS PELA BATALHA! LIGADOS PELA AMIZADE!
CAVALO DE GUERRA (War Horse) EUA, 2011 – Direção Steven Spielberg – elenco: Jeremy Irvine, Emily Watson, David Thewlis, Benedict Cumberbatch, Peter Mullan, Niels Arestrup, Tom Hiddleston, Toby Kebbell, David Kross, Patrick Kennedy, Celine Buckens, Robert Emms, Rainer Bock, Geoff Bell, Leonard Carow, Matt Milne - 146 minutos.
Com uma ambição que é também combustível para um contínuo esforço de autossuperação, Spielberg lança-se, em CAVALO DE GUERRA, ao resgate de um cinemão à moda antiga, no bom sentido. Procura realizar aquele tipo de narrativa épica e arrebatadora que sintonize com todo tipo de público, de qualquer idade, de qualquer nação, e que seja capaz de transcender qualquer barreira temporal. O clima de nostalgia de uma história ambientada no começo do Século 20, às vésperas da Primeira Guerra Mundial, serve para sinalizar que aqui se falará de valores eternos - que alguns podem até ter esquecido, mas cuja validade o filme se encarregará de testar. Os roteiristas Lee Hall ("Billy Elliott") e Richard Curtis ("Quatro Casamentos e um Funeral") recriam para a tela uma história que, na essência, resume-se à irrompível ligação entre um jovem, Albert (o novato inglês Jeremy Irvine), e seu cavalo, Joey. Albert é o filho único de um casal de agricultores, Ted (Peter Mullan) e Rosie (Emily Watson), que arrendou uma pequena propriedade do rico Lyons (David Thewlis) nos arredores de Devon, Inglaterra. Para pagar o dono e poder arar a propriedade, a família precisa de um cavalo. Contra toda a lógica e para afrontar seu esnobe arrendatário, Ted acaba comprando um cavalo lindo, mais apropriado à montaria do que à lide agrícola. De quebra, torra as economias familiares. A ousadia cai bem aos olhos do filho, que se encarregará de treinar Joey para enfrentar quase tudo, inclusive o arado - uma habilidade que salvará sua vida numa situação inusitada no futuro. Sustentando o controle do ritmo da narrativa, Spielberg constrói solidamente esta relação de afeto entre Albert e o cavalo, que enfrentará desafios mortais na Primeira Guerra, a última em que cavalos foram usados nas frentes de batalha da Europa. Uma guerra que ficou conhecida pela selvageria de suas trincheiras e que teve um saldo estimado em um milhão de mortos.
A história é uma adaptação do romance best seller de Michael Morpurgo, de 1982, que também virou peça teatral. Ambientado na Primeira Guerra Mundial, traz em ficção a sofrida história de um cavalo, mas que reflete a realidade de mais de quatro milhões de cavalos que de fato morreram no conflito. No filme, as primeiras grandes tomadas aéreas que se alternam em fusões formam uma visão de cima, onipotente e onipresente, e exibem uma vasta paisagem campestre até se aproximar do nascimento do cavalo Joey no seio de uma humilde família de trabalhadores rurais. Essas imagens já nos dizem muito: uma alusão a um ponto de vista de um suposto Deus, a intervenção divina, o plano subjetivo que enxerga um mundo abaixo e enviou uma criatura especial destinada a uma missão. Poucos momentos após o seu nascimento, intuitivamente, o jovem cavalo já se levanta sozinho e está em pé, lutando por seu lugar e sobrevivência nesse mundo – uma virtude e uma capacidade que o homem jamais teve em tão pouco tempo de vida. Já nas primeiras cenas tornam-se evidentes duas intenções do realizador. A primeira é a tentativa de mitificar o cavalo, atribuir a ele uma espécie de alusão ao nascimento, a designação, e posteriormente o calvário e a redenção. A segunda está na ambientação, nos planos, na forma de iluminar e enquadrar. Temos imagens de janelas e portas da rústica casa de trabalhadores rurais emoldurando as colinas, céus repletos de formações de nuvens que carregam tempestades iminentes, áreas de agricultura que provém a sobrevivência, campos do início do século XX, ainda preservados dos efeitos visuais e morais da revolução industrial e urbanização que viria a seguir. A fotografia do filme é bastante inspirada na tradição pictórica norte-americana, a pintura de paisagens do século XIX, em especial nos emblemáticos afrescos de Albert Bierstadt, que trabalhava muito com as formações de nuvens, contraste entre as cores do céu e os tons esverdeados da terra. “Queríamos que o cenário fosse um personagem”, foi o que disseram Steven Spielberg e Janusz Kaminski, diretor e diretor de fotografia, respectivamente, ao The New York Times. O grande mestre nessa arte foi John Ford, que foi mentor de outros que partiam desse pressuposto, de Orson Welles a David Lean, e que aqui é notavelmente a maior influência nesse prólogo do filme, que muito nos remete a Era de Ouro do cinema norte-americano, um filme clássico-narrativo que podia muito bem ser dessa época, o que demostra uma grande nostalgia e homenagem ao cinema por parte de Spielberg.
Em seu melhor momento, CAVALO DE GUERRA traz uma citação mais erudita, de um filme mudo de King Vidor. O protagonista equino dispara por um campo de batalha. Sai da trincheira inglesa e se move em direção à trincheira alemã, mas fica preso em arames farpados. Quando percebem que o animal está preso e machucado, um soldado inglês e um alemão se unem para libertá-lo, o que promove um encontro inusitado entre dois pares que lutam em lados opostos. É uma das mais belas sequências dos 146 minutos. O momento é pungente, e lembra aquele de O GRANDE DESFILE, de Vidor, quando o herói, um soldado americano, acende um cigarro para um soldado alemão agonizante. Spielberg conhece muito de cinema, e este talvez seja a sua obra mais pessoal, mais repleta de referências aos filmes que o inspiraram a ser cineasta. Estão ali de forma velada inumeráveis menções a trechos de filmes de King Vidor, John Ford, David Lean, Victor Fleming, David O. Selznick, Akira Kurosawa, Teinosuke Kinugasa, e até mesmo um final apoteótico visualmente muito semelhante a cena final de ... E O VENTO LEVOU (1939). Mas certamente CAVALO DE GUERRA está muito além de ser um filme formuláico com emoções pré-fabricadas: é uma homenagem nostálgica ao cinema da era clássica de Hollywood, e um balanço, uma síntese do cinema de Steven Spielberg. DESTAQUE para a performance coadjuvante de DAVID KROSS (o menino que brilhou em O LEITOR, em 2009). Permanece na lista dos melhores filmes do ano!! UM GRANDE FILME!!
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